Artigo – MP de Contas tem evitado grandes danos e eliminado práticas deletérias
Publicação em 19 de janeiro de 2017

Por Júlio Marcelo de Oliveira*

2016-08-25-JulioMarceloOliveira-fotoJeffersonJudy-agenciasenadoO processo jurídico-político do impeachment da ex-presidente Dilma Roussef teve com efeito colateral positivo não só a redescoberta do Direito Financeiro, mas também o conhecimento pela população brasileira dos tribunais de contas e do Ministério Público de Contas.

Quase ninguém conhecia os tribunais de contas. Alguns já tinham ouvido falar, mas sem saber muito bem o que faziam esses órgãos. Quanto ao MP de Contas, esse então ninguém conhecia mesmo, e, no entanto, ele está lá na Constituição Federal, previsto em seu artigo 130, inserido na Seção I do Capítulo IV do Título IV da Carta Magna, na mesma seção que cuida do Ministério Público que atua junto ao Poder Judiciário.

Trata-se de um Ministério Público especializado em contas públicas, destinado a atuar perante os tribunais de contas, onde exercem o múnus público que a Constituição conferiu a todo o Ministério Público brasileiro em seu artigo 127: a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Embora desconhecido, o Ministério Público de Contas, com seus cerca de 150 procuradores de contas em todo o Brasil, tem tido atuação decisiva em muitos processos julgados pelos tribunais de contas. Mesmo quando suas posições não são acolhidas, não raro servem de fundamentação para ações judiciais promovidas pelo Ministério Público judicial, numa atuação complementar e integrada que tem dado excelentes frutos.

Suas representações têm dado ensejo a importantes avanços, evitado grandes danos e reduzido ou eliminado práticas deletérias. A título de exemplo, todo o processo no TCU sobre a fraude fiscal conhecida como pedaladas fiscais teve início formal com uma representação do MP de Contas. Seu legado vai muito além da substituição da titular do Poder Executivo. Alcança a interrupção da cultura de contabilidade “criativa”, que vinha destruindo nossas finanças, e a elevação da responsabilidade fiscal a um novo patamar de relevância na consciência nacional.

Também por iniciativa do MP de Contas, foi promovida uma campanha nacional pela acessibilidade junto a todos os tribunais de contas, que resultou na inclusão em seus manuais de auditoria de obras públicas da verificação obrigatória da observância das normas brasileiras de acessibilidade em todos os projetos licitados e obras executadas. Merece registro a pronta adesão do TCU a essa campanha, à época presidido pelo ministro Benjamin Zymler, acolhendo com entusiasmo a proposta que lhe fora apresentada pelo procurador de contas Sérgio Caribé. Nesse tema, destaque para auditoria do TCU em instituições públicas que lidam intensamente com atendimento ao público: Caixa, Correios, INSS, Receita Federal, Ministério do Trabalho e Emprego e Defensoria Pública da União. Suas recomendações e determinações provocaram inúmeras melhorias no atendimento dessas instituições aos deficientes físicos que trouxeram impactos positivos na inclusão de milhares de brasileiros com alguma deficiência.

Em 2016, já em meio à crise fiscal que perdura até o momento, o MP de Contas provocou os tribunais de contas do país e expediu recomendações diretas a várias prefeituras para que não houvesse desperdício de recursos públicos com contratações milionárias para festas de Réveillon ou de Carnaval, especialmente nos casos em que sequer a folha de pagamento do ente estava sendo paga em dia. Iniciativa semelhante foi tomada na recente passagem do ano, abrangendo também o uso da receita extraordinária recebida pelos municípios em razão do programa de regularização de ativos no exterior.

Em face dos terríveis massacres ocorridos em várias penitenciárias neste início de ano, o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Contas, presidido pela procuradora-geral de contas do MPC-DF, Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, mobilizou todo o Ministério Público de Contas brasileiro para a apresentação imediata aos tribunais de contas de pedidos de auditoria no sistema prisional nacional para indicação e adoção das medidas necessárias para correção e superação desse vexatório quadro de péssimo funcionamento do Estado, seja promovendo segurança, seja respeitando os direitos básicos de dignidade da pessoa humana.

Esse breve relato evidencia o imenso potencial de atuação do controle externo, abarcando dois de seus atores: os tribunais de contas, com competências para realizar auditorias, determinar correções, julgar responsáveis e aplicar punições, e o Ministério Público de Contas, com competências para atuar em todos os processos de controle externo, oferecer representações aos tribunais de contas, requisitar informações dos órgãos da administração e expedir recomendações aos gestores públicos, além de atuar em parceria com o Ministério Público judicial em diversas iniciativas.

O acompanhamento do saneamento das finanças públicas, a aplicação dos mínimos da saúde e da educação nas três esferas, as políticas de segurança pública, dos programas de concessões e de toda a atividade de infraestrutura, dos financiamentos subsidiados concedidos pelo BNDES etc., sem falar no apoio ao combate à corrupção, tudo isso compõe o rol de interesses prioritários que merecerão a atenção do Ministério Público de Contas em 2017. Evidentemente que outros temas poderão surgir e demandar especial atenção.

A grave crise fiscal por que passa o país, com tendência de agravamento em vários estados e municípios, será um grande desafio para todos, incluídos os órgãos de controle. Gastar com mais eficiência e economicidade é medida que se impõe. Se antes a população não conhecia os tribunais de contas e o MP de Contas, agora os conhece e deles muito espera, com amplo direito a oferecer denúncias, questionar a legitimidade de gastos e cobrar resultados.

A Constituição Federal foi generosa com esses órgãos em termos de competências conferidas. Elas precisam ser exercidas em sua plenitude para que tais órgãos se justifiquem e se legitimem perante a sociedade que os sustenta. Como está escrito no Evangelho de Lucas, a quem muito foi dado, muito será exigido.

Oxalá a sociedade brasileira seja cada vez mais exigente com todos os órgãos públicos tanto em termos de moderação com os gastos públicos, quanto em termos de transparência e resultados alcançados. Aliás, o MP de Contas apoia enfaticamente todas as iniciativas de controle social, a quem tem como parceiro fundamental na construção de uma nova cultura no país.

O MP de Contas tem perfeita consciência de que todo órgão público se legitima pelo seu trabalho, pelo que entrega de valor à sociedade em troca do quanto custa e se coloca a seu serviço — nem poderia ser diferente —, para ajudar a construir um país com mais respeito ao suado dinheiro do povo brasileiro, para que as prioridades constitucionais da saúde e da educação sejam prioridades na prática, de verdade, para que o gasto público seja não só legal, mas efetivo e eficiente, sem o que não será legítimo.

O Brasil está atrasado em quase tudo e não falta quem defenda o atraso. Há muito por fazer, e o Ministério Público de Contas pode ajudar muito.

*Júlio Marcelo de Oliveira é procurador do Ministério Público de Contas que atua no Tribunal de Contas da União (TCU) e presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (Ampcon).

Fonte: Conjur