Criação de cargo comissionado sem atribuições definidas em lei é irregular
Publicação em 12 de julho de 2017

A criação de cargo comissionado sem estabelecer suas atribuições em lei fere a Constituição Federal e a lei que o criou não pode ser executada. O posicionamento foi firmado no julgamento de representação de autoria do Ministério Público de Contas (MPC), a qual apontou irregularidades na Lei Municipal 1.509/2004 de João Neiva, que criou o cargo de procurador adjunto na estrutura da Procuradoria Municipal de João Neiva sem definir quais seriam as responsabilidades inerentes ao cargo.

O incidente de inconstitucionalidade proposto pelo MPC foi acolhido pelo Plenário do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), na sessão do último dia 11, para negar exequibilidade ao artigo 1º da lei citada. Com a decisão, a Representação TC 7254/2015 foi encaminhada à Segunda Câmara do TCE-ES para julgamento do mérito, no qual o órgão ministerial pede que seja determinada à Prefeitura de João Neiva a adoção de providências necessárias para sustar a ilegalidade, podendo ainda ser aplicada multa ao responsável, o prefeito Romero Gobbo Figueredo.

Incontestável
Ao analisar o dispositivo da Lei Municipal 1.509/2004 de João Neiva que criou o cargo de Procurador Adjunto na Procuradoria Municipal, o MPC ressaltou que a inconstitucionalidade é incontestável, “se considerado o fator de que somente as descrições das atribuições do cargo em lei são capazes de demonstrar a sua natureza jurídica, conforme estabelece o art. 37, V da Constituição da República e o art. 32, V, da Constituição do Estado do Espírito Santo”.

No parecer, o MPC esclarece que além do vínculo precário com a Administração Pública, o cargo em comissão também se diferencia do cargo de provimento em efetivo pelo fato de que o primeiro se destina ao exercício de função de direção, chefia ou assessoramento e exige, além dos conhecimentos profissionais, uma relação de confiança entre a autoridade que nomeia e o nomeado. Já o cargo efetivo se caracteriza por ser um cargo cujo exercício pressupõe a execução de atividades de ordem técnica ou administrativa com funções burocráticas ou operacionais, que apenas exigem conhecimentos profissionais para seu bom desempenho.

O MPC ressalta que, ao estabelecer que os cargos em comissão somente podem ser destinados às funções de direção, chefia e assessoramento, a Constituição Federal e a Constituição Estadual não preveem a possibilidade de criá-los sem atribuições ou com atribuições da sua conveniência, as quais, impreterivelmente, devem estar previstas e especificadas em lei formal.

“A natureza jurídica de um cargo extrai-se das atribuições para ele definidas em lei e não da sua nomenclatura; por isso mesmo, viola o princípio da legalidade, a criação de cargos comissionados sem que haja a fixação das respectivas atribuições”, salienta o parecer ministerial.

O relator do caso, conselheiro Sérgio Borges, seguiu o entendimento do MPC e destacou que o texto constitucional é esclarecedor ao afirmar que os cargos em comissão somente podem ser direcionados às atribuições de direção, chefia e assessoramento, não se amoldando às circunstâncias fáticas que permeiam o caso de João Neiva, nas quais “não restam minimamente aclaradas quais as atribuições seriam designadas para o cargo em comissão criado”.

Para o relator, não há margem para que sejam criados cargos comissionados em Procuradorias municipais sem que haja o correto e devido delineamento das atribuições próprias de cargos em comissão, na forma como estabelece a Constituição Federal.

“No caso em tela, inclusive, embora não se possa afirmar com veemência que o exercício do cargo comissionado criado esteja em desacordo com o que estabelece a Constituição no que se refere à designação de funções de chefia, direção e assessoramento, entendo que do ponto de vista jurídico-interpretativo a redação do dispositivo legal, ora analisado, o torna materialmente inconstitucional, em razão de sua vagueza e de sua inexatidão em relação à especificação das atribuições inerentes ao ocupante do cargo de Procurador Adjunto”, destacou o relator, no voto.

O voto do relator foi acompanhado pelos demais conselheiros, que seguiram o entendimento ministerial e consideraram inconstitucional o artigo 1° da Lei Municipal 1.509/2004 de João Neiva, por violação expressa do artigo 37, II e V da Constituição Federal.

Veja o Parecer do MPC na Representação TC 7254/2015