MPC aponta inconstitucionalidade de lei que criou cargos comissionados na Serra sem descrever atribuições
Publicação em 1 de abril de 2020

Representação proposta pelo Ministério Público de Contas (MPC) aponta desvio de função e de finalidade na nomeação de centenas de servidores comissionados na Prefeitura da Serra e pede que o município deixe de aplicar a Lei Municipal 2.356/2000, que criou os cargos em comissão de assistente técnico e assessor técnico, por não descrever nenhuma atribuição de chefia, direção e assessoramento para esses cargos, o que vai contra dispositivos constitucionais. Além disso, requer que seja negada aplicação a trecho da Lei Municipal 4.829/2018 e aos Decretos 8.189/2016 e 2.301/2018.

O MPC tomou conhecimento dos fatos por meio de documentos encaminhados pela 13ª Promotoria de Justiça Cível da Serra e destaca que a Lei Municipal 2.356/2000 criou os cargos comissionados de assistente técnico na Secretaria Municipal de Administração e Recursos Humanos e de assessor técnico em diversas secretarias municipais da Serra. No entanto, as respectivas atribuições dos cargos não estão descritas na lei.

A partir de informações encaminhadas pela própria prefeitura, constatou-se a nomeação de mais de 300 servidores comissionados para ocuparem o cargo de assistente técnico em diversas secretarias municipais, de 2013 a 2019. Contudo, as funções exercidas por esses servidores possuem natureza estritamente burocrática, meramente administrativa, como motorista, recepcionista, auxiliar de secretaria, auxiliar administrativo, conforme se extrai de depoimentos tomados pelo Ministério Público Estadual (MPES), e não se ajustam ao conceito de direção, chefia e assessoramento exigidos pela Constituição Federal.

A representação do MPC narra também a contratação, pela Prefeitura da Serra, de 19 servidores temporários para as funções de engenheiro civil, engenheiro ambiental e arquiteto, conforme Lei Municipal 4.829/2018, sem demonstrar situação de excepcionalidade de interesse público que justificasse esse tipo de contratação.

Além disso, foi verificado que nos exercícios de 2015 a 2019 a prefeitura nomeou diversos servidores comissionados para a Secretaria Municipal de Obras, os quais foram designados para exercer funções de fiscal e de gestor de contratos administrativos, em flagrante desrespeito à legislação, “visto tratar-se de função técnica/operacional, típica da administração pública, portanto, sem necessidade do vínculo de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado”.

Atribuições
A respeito do cargo de assessor técnico, o MPC enfatiza que a natureza jurídica de um cargo se extrai das atribuições para ele definidas em lei e não da sua nomenclatura. Acrescenta, ainda, ter ocorrido a criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que fogem ao seu caráter singular, de direção, chefia ou assessoramento, “tapeando a exigência constitucional de prévio concurso público”, com o agravante de a lei que criou esses cargos comissionados não descrever as atribuições do cargo, elemento indispensável para aferição da sua natureza jurídica.

Para tentar suprir a ausência da descrição das atribuições dos cargos comissionados de assistente técnico e assessor técnico, a Prefeitura da Serra expediu os decretos 8.189/2016 e 2.301/2018 definindo as respectivas atribuições. Contudo, esclarece o MPC, “as atribuições de um cargo somente podem ser definidas ou alteradas por lei em sentido estrito, padecendo, portanto, os referidos decretos de inconstitucionalidade”.

O órgão ministerial complementa que as atribuições dos cargos em comissão descritas nos decretos citados, os quais são inconstitucionais, deixam evidente o desempenho de atividades de caráter estritamente burocrático, incompatíveis com as atribuições de direção, chefia e assessoramento, previstas na Constituição Federal e na Constituição Estadual como requisitos para os cargos comissionados. Portanto, essas atividades devem ser conferidas a servidores efetivos, admitidos por meio de concurso público, conforme determina a Constituição Federal.

Diante das irregularidades narradas, o MPC pede ao Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) que julgue procedente a representação para que, ao final, seja negada exequibilidade à Lei Municipal 2.356/2000, ao artigo 1º da Lei Municipal 4.829/2018 e aos Decretos 8.189/2016 e 2.301/2018. Da mesma forma, pede que sejam aplicadas multas aos responsáveis pelas irregularidades, agentes políticos e ordenadores de despesa no município da Serra, e que sejam expedidas determinações ao atual gestor para adoção das providências necessárias para o cumprimento da legislação.

A representação tramita no TCE-ES sob o número TC 1633/2020 e tem como relator o conselheiro Rodrigo Coelho do Carmo.

Veja o conteúdo completo da Representação TC 1633/2020