O Ministério Público de Contas (MPC) propôs representação em que aponta irregularidades na criação de normas municipais e protocolos para uso de medicamentos sem evidência científica que possibilite terapia específica de intervenção na Covid-19 e pede a concessão de medida cautelar ao Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) para que os municípios capixabas suspendam imediatamente os atos que permitem o prosseguimento da indevida distribuição do chamado “Kit Covid”.
Na representação, o MPC também pede que seja determinada a realização de processo de fiscalização na modalidade levantamento com o objetivo de identificar os órgãos municipais e estaduais que tenham instituído protocolo para o uso de medicamentos para tratamento de pacientes com suspeita ou confirmação de Covid-19, bem como adquirido as respectivas medicações, sem embasamento técnico-científico, a fim de apurar as responsabilidades, individuais e solidárias, nos casos em que forem identificadas graves violações às normas legais e eventuais prejuízos ao erário.
O órgão ministerial usa como base da representação a Nota Técnica 242/2021, emitida pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do Sistema de Saúde (Conitec) do Ministério da Saúde e enviada à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, na qual foi informado que os medicamentos cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina não devem ser utilizados em pacientes hospitalizados por causa da Covid-19.
O documento do Ministério da Saúde expõe que os medicamentos do denominado “Kit Covid” não mostraram benefícios clínicos na população de pacientes internados. Por isso, o MPC entende a necessidade da adoção de medidas urgentes para evitar prejuízos aos cofres públicos e que os vícios apontados na representação, os quais demonstram “o amadorismo e a irresponsabilidade dos gestores” ao admitir protocolos medicamentosos sem qualquer suporte científico, continue possibilitando danos à saúde da população pela sua indevida administração e desabastecimento dos referidos fármacos para a continuidade do tratamento dos pacientes a que eles são cientificamente indicados, além de realizar gastos de maneira injustificada.
Critérios ideológicos e má-fé
Conforme a representação, a instituição de protocolos para tratamento da Covid-19 com a utilização dos medicamentos cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina não ocorreu com base em justificativas plausíveis e adequada à legislação, pois a opção escolhida pelos gestores não se deu por critérios científicos, mas sim ideológicos ou políticos. O órgão ministerial acrescenta que além de constar nos próprios instrumentos normativos de muitos municípios a falta de amparo cientifico naquele momento da instituição do protocolo, persiste até o momento sem qualquer eficácia e segurança o uso desses medicamentos para tratamento da Covid-19.
Outro ponto destacado pelo MPC é a existência de estudos registrando que a utilização dos medicamentos do chamado “Kit Covid” pode causar danos diversos ao organismo, além de não alcançar qualquer resultado satisfatório no tratamento da Covid-19.
“Logo, abala o sentimento de qualquer cidadão o amadorismo e a possível lesividade à saúde da população a inserção de protocolos medicamentosos sem evidências científicas concretas, evidenciando, outrossim, o desleixo com os recursos públicos que envolve a tormentosa questão, chegando a causar repulsa, uma vez que a despesa, além de ilegítima, também é antieconômica”, enfatiza a representação ministerial.
Dessa forma, o MPC considera caracterizada a má-fé dos responsáveis pela instituição de protocolos e compras de medicamentos sem evidência científica comprovada contra a Covid-19, aponta possível desperdício de dinheiro público e entende que a atuação desses responsáveis demonstrou que eles “tratam o dinheiro público como se fosse coisa de ninguém, ou talvez coisa deles próprios, já que o utilizam de forma despropositada, desprezando a escassez de recursos públicos para prestação de tantos outros serviços públicos (saúde, educação, saneamento, etc), principalmente no período calamitoso decorrente da pandemia, e também a saúde da população que fica à mercê do uso de medicamentos que podem ser prejudiciais porque indevidamente adotados.”
Diante dos indícios de graves irregularidades mencionados, o Ministério Público de Contas entende que eles são suficientes para caracterizar ato de gestão ilegítimo e antieconômico que ofende os princípios constitucionais da legalidade, da moralidade, da eficiência e da supremacia do interesse público. Assim, propõe que seja determinado aos entes municipais e estaduais que se abstenham de adquirir medicamentos especificamente para o tratamento precoce ou de pacientes hospitalizados por Covid-19 sem comprovação científica, até que o processo seja julgado de forma conclusiva.
A representação tramita no Tribunal de Contas sob o número 3426/2021 e tem como relator o conselheiro Sérgio Borges.
Veja na íntegra o conteúdo da Representação do MPC (Processo 3426/2021)
Acompanhe o Processo 3426/2021