O Ministério Público de Contas (MPC) interpôs Pedido de Reexame em face do Parecer em Consulta 00040/2021-9 – Plenário, o qual possibilitou a contratação da iniciativa privada pelos Consórcios Públicos para a prestação de serviços médicos e de outros profissionais de saúde, bem como a realização de procedimentos médicos e de demais áreas da saúde aos municípios consorciados, independentemente de se tratar de baixa, média ou alta complexidade (Processo TCE/ES 04733/2020-2).
O Consórcio Público – uma pessoa jurídica criada por lei, na qual somente os entes União, Estados, Distrito Federal e Municípios podem se consorciar – objetiva executar a gestão associada de serviços públicos.
A Consulta formulada pelo senhor Ângelo Guarçoni Junior, Presidente do Consórcio Público da Região Polo Sul – CIM, intentou manifestação do TCE acerca da possibilidade ou não de contratação pelo Consórcio Público, por meio de licitação, ou diretamente, por sua dispensa, “da prestação de serviços médicos e procedimentos, exames e diagnóstico em saúde por meio de pessoa jurídica” de direito privado, “para atendimento às demandas do conjunto de municípios consorciados, em nível ambulatorial e hospitalar, no modelo de governança regional de serviços de saúde”.
De pronto, a Área Técnica emitiu opinamento restringindo a possibilidade de contratação pelos Consórcios Públicos de instituições privadas para prestação de serviços de saúde nos níveis secundário e terciário de atenção à saúde, considerando que a iniciativa privada só poderia participar do SUS em caráter complementar e não de forma integral.
Na mesma ocasião, o Corpo Técnico do TCE também reconheceu a excepcionalidade da contratação de mão de obra por outros meios que não o Concurso Público, mormente tendo em vista que o Consórcio Público se afigura como autarquia, destituída, logicamente, de fins lucrativos, formado exclusivamente por entes públicos, razão pela qual constitui-se como parte da administração indireta, sendo, assim, regido pelas regras e princípios inerentes à Administração Pública, principalmente às constantes da Constituição Federal de 1988, Lei Federal nº 11.107/2005 e Decreto Federal nº 6017/2007.
Aliás, a própria Lei Federal nº 11.107/05, que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos, em seu artigo 1º, enuncia que “Os consórcios públicos, na área de saúde, deverão obedecer aos princípios, diretrizes e normas que regulam o Sistema Único de Saúde – SUS.”
Em sua manifestação, a Área Técnica da Corte de Contas destrinchou e estruturou os níveis de atenção e organização do SUS e frisou ser a “atenção primária ou básica o centro estruturante ou integrador do SUS” e, por englobar o primeiro contato do paciente e da comunidade com o sistema público de saúde, ressaltou a imprescindibilidade de sê-la direcionada ao município, bem como a incompatibilidade da delegação destes serviços médicos e da contratação de outros profissionais e pessoas jurídicas fornecedoras de serviços médicos e de saúde por meio de licitação.
Ademais, a Área Técnica destacou, ainda, que todas as previsões legislativas, em verdade, “… asseguram que o consórcio público não é um facilitador da terceirização de mão de obra para particulares, ao contrário, o consórcio visa viabilizar o atendimento e dar efetividade às políticas de saúde definidas pela gestão pública. Então, o próprio consórcio, como instituição pública, deve seguir o regime administrativo tanto para vincular empregado público quanto para selecionar os profissionais que prestarão serviços em nome da autarquia nos municípios consorciados…”.
Por essa razão, o Parquet de Contas, em sintonia, anuiu ao posicionamento empreendido pela Área Técnica de que, diante de procedimentos e serviços de alta complexidade e de alto custo, bem como quando a demanda não fosse mínima e perene ou quando houvesse a necessidade de atender demanda urgente, pontual ou temporária muito específica, nos níveis de atenção secundária e terciária de saúde, os Consórcios Públicos, em situações excepcionais e em caráter complementar, poderiam contratar a iniciativa privada, objetivando a prestação de serviços médicos e de outros profissionais da saúde.
O Plenário do TCEES, em linha com o Conselheiro Relator Sérgio Aboudib Ferreira Pinto, todavia, divergindo do posicionamento da Área Técnica e do Ministério Público de Contas, por meio do 19 – Parecer em Consulta 00040/2021-9 – Plenário respondeu aos questionamentos do Consulente em clara afronta ao Princípio da Legalidade e possibilitou aos Consórcios Públicos, tais quais os entes municipais, “…a contratação da iniciativa privada, objetivando a prestação de serviços médicos e de outros profissionais da saúde, bem como para a realização de procedimentos médicos e de outras áreas da saúde aos municípios consorciados, em se tratando da baixa, média e alta complexidade…”, permitindo, assim, a “quarteirização” integral dos serviços de saúde, mesmo aqueles cujo dever de implementação recai integralmente ao município, por força de delegação da Constituição Federal – atenção primária/de baixa complexidade à saúde.
Diz-se “quarteirização”, pois cada município é responsável por todo o tipo de atendimento à saúde de que necessita seu cidadão e, acaso não tenha capacidade técnica e financeira, pode contar com a referência de outros municípios e dos Consórcios Públicos Intermunicipais em atendimentos de média e alta complexidade, dependendo do seu porte estrutural, caracterizando-se, neste caso, um tipo de terceirização – com permissivo legal e de forma complementar – da prestação de serviços à saúde.
Ocorre que a decisão em debate, sem quaisquer fundamentos legais, permitiu que os Consórcios Públicos pudessem delegar – em todos os níveis (baixa, média e alta complexidade) – os serviços de saúde, que outrora lhe foram designados, para instituições privadas, em evidente afronta ao que sustenta a lei. Viabilizou-se, então, a transferência de tais obrigações (para as quais já fora possibilitada a terceirização aos Consórcios Públicos) à pessoa jurídica de direito privado, deflagrando-se na “quarteirização” da prestação de serviços à saúde.
De mais a mais, nos termos da Portaria nº 648/GM-2006, os serviços de atenção básica/primária é DEVER do município, isto é, nem sequer deveriam ser objeto de delegação às instituições privadas como o foram no 19 – Parecer em Consulta 00040/2021-9 – Plenário.
Assim, visando a reforma da decisão em comento, sob pena de delegação do próprio dever dos municípios em promover os serviços de atenção básica de saúde (baixa complexidade) à comunidade local e, por conseguinte, da infringência à ordem constitucional, uma vez que a competência mencionada encontra guarida na Carta Magna, o Parquet de Contas interpôs Pedido de Reexame, requerendo a reforma da decisão para que passe a se considerar que a entrega dos serviços de atenção básica/primária deve ser efetivada pela rede municipal, competindo aos municípios o custeio da atenção básica, de baixa complexidade de saúde, bem como que seja reconhecida que a contratação de mão de obra por meio do Consórcio Público surge para acolher demanda que o município, de per si, não tenha capacidade e condições técnicas e financeiras de comportar, ou seja, de forma excepcional.
Conforme explanado no Pedido de Reexame, “…em suma, o 19 – Parecer em Consulta 00040/2021-9 permitiu que os consórcios públicos contratem, mediante licitação, a iniciativa privada para executar serviços que são de competência municipal e que devem ser desempenhados diretamente pelo ente público, quais sejam: aqueles relacionados à atenção básica de saúde, de baixa complexidade, fazendo emergir o que se pode chamar de quarteirização dos serviços de saúde…”, razão pela qual a decisão telada não merece subsistir.
O Pedido de Reexame em comento gerou o Processo TC 1775/2022-7, autuado e distribuído ao Conselheiro Relator Luiz Carlos Ciciliotti da Cunha.
Confira o Processo TCE/ES 1775/2022
Confira o Processo TCE/ES 4733/2020