Pedro Marcondes de Moura
As denúncias de recebimento de propina no caso Alstom não foram suficientes para abalar a rotina do conselheiro do Tribunal de Contas de São Paulo Robson Marinho. Nem mesmo a divulgação do documento de abertura de sua conta na Suíça bloqueada com US$ 1,1 milhão e do depoimento revelador de um executivo confirmando o pagamento de suborno fez o conselheiro deixar de sair diariamente ao final das manhãs de sua casa, uma mansão de cerca de mil metros quadrados no bairro do Morumbi, zona sul da capital paulista, rumo ao trabalho no centro da cidade. Em seu gabinete no quinto andar do TCE, recebe relatórios diários de técnicos que o auxiliam nos votos. Durante as sessões no plenário, Marinho continua a julgar processos que envolvem desde superfaturamentos e fraudes em licitações públicas até casos referentes ao Metrô de São Paulo. Na vida pessoal, o ex-chefe da Casa Civil do ex-governador do PSDB Mário Covas mantém um padrão invejável. Mora com a mulher, Maria Lúcia, num local onde os imóveis variam de R$ 3,5 milhões a R$ 15 milhões e é dono de uma ilha privada na baía de Paraty, com 70 mil metros quadrados de área total, e de um prédio de sete andares em São José dos Campos.
Para se chegar à residência de Marinho no bairro do Morumbi, adquirida em 1999, o convidado precisa passar por uma segurança reforçada. A identificação para um dos três guardas que trabalham operando a cancela da pequena rua de mão única é obrigatória para evitar visitas indesejadas. Um outro personagem do escândalo do propinoduto tucano, no entanto, já teve sinal verde para atravessar aquela guarita. Trata-se de Arthur Teixeira, denunciado pelo Ministério Público Federal como lobista das empresas Alstom e Siemens no cartel dos trens. Explica-se: Teixeira já foi dono do imóvel que hoje pertence a Marinho. O lobista comprou a residência em 1987 e morou lá até 1996. Naquele ano, Teixeira fez uma permuta com o ex-presidente do banco Barclays no Brasil Ademar Lins de Albuquerque, que vendeu a casa a Marinho três anos depois. Graças às coincidências que envolvem a negociação, o Ministério Público apura a ligação entre Marinho e Teixeira.
Embora integrantes do tribunal ouvidos por ISTOÉ revelem constrangimento com a situação de Marinho, eles alegam que nada podem fazer para apeá-lo do cargo. O máximo que aconteceu foi uma articulação para evitar que Marinho fosse reconduzido à presidência do tribunal, posto que já ocupou por duas ocasiões. “O que podemos fazer? Não há uma solicitação da Justiça pedindo o afastamento nem podemos fazer uma representação segura baseada em uma acusação não oficial”, diz um integrante do TCE. O advogado de Marinho, Celso Vilardi, recusa-se a comentar as novas provas até ter acesso a elas. No Tribunal, onde chegou alçado pelo ex-governador Mário Covas em 1997, Marinho mantém seu estilo autoritário. Trata, frequentemente, funcionários de forma áspera e é acusado de não aceitar os argumentos dos técnicos de seu gabinete ao formular seus votos. Nos habituais lanches da quarta-feira, na sala da presidência, Marinho tenta mostrar que tem mais conhecimento do que os colegas. Isso acaba gerando incômodo. “Ele quer mostrar que sabe mais do que todos e acaba provocando atritos”, disse um funcionário do TCE. Durante as sessões, costuma elevar o tom de voz quando tem o voto contrariado. Suas discussões mais ríspidas se davam com o conselheiro hoje aposentado Eduardo Bittencourt. De acordo com fontes ouvidas por ISTOÉ, apesar de fazer eloquentes discursos, Marinho – formado em direito – adquiriu fama de ter um conhecimento jurídico raso que, muitas vezes, atrapalha os debates e até o impossibilita de defender os próprios argumentos. Na vida pessoal, Marinho é considerado vaidoso. Pessoas próximas dizem que ele pinta regularmente os cabelos e se submeteu a cirurgia plástica para esconder marcas do envelhecimento – o conselheiro tem 64 anos.
As acusações de recebimento de propina contrastam com o seu combativo passado contra a ditadura militar. Robson Marinho foi vereador aos 18 anos pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), presidente da Assembleia Legislativa, deputado na Constituinte e prefeito de São José dos Campos. Em sua gestão à frente do município no interior paulista de 1983 a 1986, outro personagem do caso Alstom ocupava um cargo de alto escalão. Trata-se do então secretário de Obras, Sabino Indelicato, réu no escândalo da gestão tucana. Os dois mantêm uma estreita amizade de mais de 30 anos. Inclusive, são sócios na construtora e incorporadora Piaget. Promotores brasileiros consideram que há indícios de que Indelicato também tenha feito intermediação da propina da Alstom para Marinho. Para isso, simularia a prestação de serviços à multinacional francesa pela empresa Acqua Lux. A mesma desconfiança é compartilhada por investigadores suíços diante de transferências dele para Marinho no país europeu. A defesa de Indelicato diz que os serviços prestados à multinacional francesa foram de fato realizados. Já Marinho não quis falar com a reportagem.
Se a relação entre Indelicato e Marinho é inequívoca, também não há como desvincular o conselheiro do TCE dos cardeais tucanos. O ex-governador Mário Covas e o conselheiro Robson Marinho mantinham um relacionamento estreito a ponto de um frequentar a casa do outro e dividir a mesa de carteado. Não à toa, o conselheiro o acompanhou na saída do PMDB para fundar o PSDB. Também foi Covas que alçou Marinho ao Tribunal de Contas de São Paulo. Em meio às disputas internas do tucanato, Marinho também acompanhava Covas na hora de rivalizar com as alas mais próximas ao ex-governador José Serra e a Fernando Henrique Cardoso. Na eleição que marcou a chegada do PSDB paulista ao poder em 1994, Marinho teve papel crucial. Amealhou o apoio de prefeitos do interior e manteve contato com empresários financiadores da campanha. Como prova de reconhecimento, recebeu de Covas o principal cargo de sua gestão: a chefia da Casa Civil. E foi a partir desse posto que consolidou sua – até agora – estável carreira.
Fonte: Revista IstoÉ