Nota técnica do Ministério Público de Contas sobre saneamento das irregularidades pelos Tribunais de Contas
Publicação em 1 de julho de 2014

Os Tribunais de Contas possuem a obrigação de entregar à Justiça Eleitoral a lista de responsáveis com contas julgadas irregulares, até o dia 5 de julho do ano em que se realizarem as eleições. Essa obrigatoriedade não impede qualquer outro órgão público ou cidadão de prestar informação à Justiça Eleitoral sobre fatos que possam gerar inelegibilidade. Em função disso, a lista elaborada pelo Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES), atendendo ao pedido da Procuradoria Regional Eleitoral, tem caráter meramente informativo, conforme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Afirmar que é exclusividade de um órgão dar informação à Justiça Eleitoral é torná-la subordinada a esse órgão.

É cediço que o aperfeiçoamento do sistema eleitoral, a cada ano, ganha mais destaque, tanto no campo político quanto no jurídico, tendo em vista a busca incessante pela concretização dos preceitos constitucionais. Entre tais mandamentos encontra-se a suspensão da capacidade eleitoral passiva, também conhecida como inelegibilidade.

Esse instituto, de extração constitucional, foi regulamentado em sede de legislação infraconstitucional, por meio da qual foram pormenorizadas as situações que ensejaram tal restrição. Em face da disposição dessas novas causas de inelegibilidade, a cada nova eleição, a Justiça Eleitoral volta os olhos para tais casos, ressurgindo novas discussões e posicionamentos, em especial os relativos à rejeição de contas dos gestores públicos.

As situações que dão ensejo à inelegibilidade estão dispostas, originariamente, na Constituição Republicana, nos §§ 4° a 7° do art. 14, sendo que o § 9° facultou à lei complementar instituir outros casos que visem proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, considerando a vida pregressa do candidato e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

No particular, a inelegibilidade em decorrência da rejeição das contas públicas encontra, hoje, sua disciplina normativa no art. 1°, inciso I, alínea “g” da Lei Complementar n.º 64/1990 (modificada pela Lei Complementar n.º 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa), que estabelece a inelegibilidade daqueles “que tiverem suas contas (…) rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativae por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário (…)”.

Assim, pode-se afirmar que todo ato doloso de improbidade administrativa praticado por gestor público configura irregularidade de natureza insanável.

Ponto principal, que merece destaque, consiste na relação entre a quitação de multa e de débito, imputados pelas Cortes de Contas, e o consequente saneamento da irregularidade. É pacífico o entendimento do TSE de que a análise desse ponto cabe à Justiça Eleitoral. Nas eleições de 2012, houve casos de gestores com contas julgadas irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) que, mesmo com débitos e multas quitados e apresentando certidão negativa do referido Tribunal, não impediram a Justiça Eleitoral de negar o registro de candidatura deles, considerando-os inelegíveis.

A análise da Justiça Eleitoral foi feita com base no artigo 1°, inciso I, alínea “g” da Lei Complementar n.º 64/1990, e esses mesmos gestores continuam na lista elaborada pelo MPC-ES em 2014, pois a decisão que julgou as contas deles irregulares ocorreu há menos de oito anos. São vários os casos e, entre os exemplos, há decisões da Justiça Eleitoral negando o registro de candidatura aos ex-presidentes da Câmara de Guarapari José Raimundo Dantas e Marco Antonio Nader Borges, ao ex-presidente da Câmara da Serra Adir Paiva da Silva e ao ex-comandante-geral da Polícia Militar do Espírito Santo Júlio César Lugato.

Nesse sentido, decidiu o juiz da 24ª Zona Eleitoral de Guarapari, nos autos do processo de registro de candidatura nº 438-06.2012.6.08.0024, conforme trecho da sentença reproduzida abaixo e confirmada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo e pelo Tribunal Superior Eleitoral:

MÉRITO
Consta dos autos que o Impugnado, ordenador de despesa da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo, teve suas contas julgadas irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado, no período de 10.01 a 21.07.2003 (Acórdão TC-342/2007, proferido nos autos TC 3974/2006 – fls. 52/55), com base no artigo 1º, inciso XXII, da Lei Complementar nº 32/93, com aplicação de multa. Não há notícia nos autos de recurso a esta decisão.
O Impugnado apresentou cópia do acórdão TC 807/2005 (fls. 189), alegando que suas contas foram julgadas regulares. Todavia, ressalto que o TC 807/2005, foi proferido no processo TC 1561/2004, que trata das contas do FUNREPON.
Conforme orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal, cabe à Justiça Eleitoral a competência para emitir juízo de valor a respeito das irregularidades apontadas pela Corte de Contas, e decidir se as mesmas configuram ou não inelegibilidade (STF, MS 24.991/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 22.6.2006).
Já a jurisprudência do TSE consolidou entendimento no sentido de que a declaração de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “g”, da Lei Complementar nº 64/90 depende da presença de três fatores: a) contas rejeitadas por irregularidade insanável, que configure ato doloso de improbidade administrativa; b) decisão irrecorrível e c) a decisão de rejeição das contas não deve estar submetida ao crivo do Judiciário, mas, se estiver, é imperioso que os seus efeitos não tenham sido suspensos mediante a concessão de liminar ou tutela antecipada.
Pois bem, inicialmente passo a analisar a sanabilidade ou não dos vícios detectados pelo Tribunal de Contas do Estado.
O Impugnado teve suas contas julgadas irregulares em razão dos seguintes motivos (fls. 52/55):
Execução de despesa sem prévio empenho – infringência ao artigo 60 da Lei 4.320/64
Pagamento mensal acima do valor contratado – infringência ao artigo 65, §§ 1º e 2º, da Lei 8.666/93;
Embora seja possível, em tese verificar a natureza formal do vício apontado no item 1, o mesmo não ocorre quanto ao vício apontado no item 2;
Segundo o relatório técnico (fls. 74 e seguintes):
“A equipe de auditoria do 1º semestre constatou que o valor contratual é de R$ 277.000,00 mensais, entretanto, os valores pagos a empresa Transticket Ltda encontram-se superiores em média 96%. Não consta nos autos nenhum documento que justifique ou esclareça tais aumentos…
A equipe do 2º semestre, apurando os meses de agosto, setembro, e outubro verificou as mesmas irregularidades.”
A Lei nº 8.666/96 admite o acréscimo de até 25% do valor inicial atualizado do contrato, mas no caso dos autos, o acréscimo foi muito além do aceitável (96%), infringindo o art. 65, §§ 1º e 2º, da Lei 8.666/93.
O gasto em excesso configura manifesta lesão aos cofres públicos, comportando-se o Administrador, de forma temerária, gastando mais do que o permitido em lei. Revela irresponsável execução orçamentária, má gestão do dinheiro público e ofensa aos princípios da moralidade e da economicidade por parte do gestor público.
A Lei 8.666/1993 é nossa lei de normas gerais sobre licitações e contratos administrativos, de observância obrigatória por parte de todos os entes federados, a fim de se obter a proposta mais vantajosa para a Administração Pública, aqui entendendo-se, a coletividade.
[…]
Como bem argumentou o ilustre Representante do Ministério Público Eleitoral, construiu-se o entendimento de que a irregularidade insanável, capaz de gerar a inelegibilidade, “é aquela que traz em si nota da improbidade administrativa, por causar prejuízo ao patrimônio público, possibilitar o enriquecimento sem causa ou atentar contra os princípios norteadores da Administração”.
De fato, o prejuízo causado aos cofres públicos por despesas realizadas com pagamento acima do valor contratado, sem a devida justificação e comprovação, desrespeitando a lei das licitações configura ato de improbidade administrativa, além de evidenciar a insanabilidade do vício.
Acrescento que não há notícia nos autos de decisão concessiva da suspensão da causa de inelegibilidade mediante a concessão de liminar ou tutela antecipada.
Por tudo o que foi exposto, julgo PROCEDENTE a impugnação interposta pelo Ministério Público Eleitoral ao registro de candidatura de JULIO CESAR LUGATO, dada a inelegibilidade prevista no Art. 1º, I, alínea “g”, da LC 64/90 e, consequentemente, INDEFIRO o pedido de registro de candidatura ao cargo de vereador, no Município de Guarapari.

Ademais, o Tribunal Superior Eleitoral, ao analisar Acórdãos dos Tribunais de Contas, com vistas a aferir os requisitos de elegibilidade do gestor que tenha praticado irregularidades insanáveis, repeliu, de plano, a possibilidade de que a quitação da multa ou recolhimento do débito importe em saneamento automático da irregularidade.

A título de exemplo, o egrégio Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo rejeitou as contas de gestores dos municípios de Serra, Ecoporanga, Ibatiba e Guarapari, aplicando-lhes os apenamentos legais. Sucede que os gestores promoveram a quitação da multa e o recolhimento do débito, levando a Corte de Contas a promover o saneamento das irregularidades. Não obstante, o TSE reforçou que a certidão de quitação emitida pela Corte de Contas “não tem condão de afastar a irregularidade insanável constatada por julgamento definitivo do TC”. A inelegibilidade decorre das irregularidades cometidas, e não da multa/débito cominada, senão vejamos:

Decisão Monocrática em 16/11/2012 – RESPE Nº 16357 Ministra NANCY ANDRIGHI
Publicado em 20/11/2012 no Publicado em Sessão
DECISÃO
Vistos.
Cuida-se de recurso especial eleitoral interposto por José Raimundo Dantas contra acórdão do TRE/ES que indeferiu o seu pedido de registro de candidatura ao cargo de vereador de Guarapari/ES nas Eleições 2012, integrado por aresto que julgou embargos de declaração, respectivamente ementados às folhas 477 e 545:
RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. IMPUGNAÇÃO DO MP. TC-ES. CONTAS IRREGULARES 2005/2006. PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE GUARAPARI/ES. SANÇÕES PECUNIÁRIAS. QUITAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. COISA JULGADA ADMINISTRATIVA. INELEGIBILIDADE ART. 1º, I, G, DA LC 135/2010. AÇÃO PRÓPRIA DE IMPROBIDADE. DESNECESSIDADE. APRECIAÇÃO DO JULGAMENTO DE CONTAS. CONDIÇÕES OBJETIVAS DE ELEGIBILIDADE. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL. CASO CONCRETO. EMPRESAS DE CONSULTORIA. CONTRATAÇÃO ILEGAL E INJUSTIFICADA. DANO AO ERÁRIO. OBJETO COINCIDENTE. ATIVIDADE FIM DESEMPENHADA POR SERVIDOR PÚBLICO. SERVIDORES COMISSIONADOS EM NÚMERO BEM SUPERIOR AO NÚMERO DE EFETIVOS. CONCURSOS PÚBLICOS. ART. 37, II, DA CF/88. OBRIGATORIEDADE. INOBSERVÂNCIA. DOLO GENÉRICO VERIFICADO. ART. 11, CAPUT, L.I.A. LICITAÇÃO. DISPENSA INDEVIDA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 10, VIII, L.I.A. PRECEDENTES. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. REGISTRO INDEFERIDO.
1 – Independe de Ação de Improbidade Administrativa, o processo e julgamento pela Justiça Eleitoral, de Registro de Candidatura, na apreciação de julgamento por Tribunais de Contas, de contas irregulares de gestores públicos, cabendo a esta Especializada averiguar, no caso concreto, a configuração de ato doloso de improbidade administrativa, a teor do art. 1º, I, “a” , da LC 135/2010.
2- A Certidão de Quitação ou acórdão proferido nesse sentido, por Corte de Contas, que reconhece o pagamento integral de sanções pecuniárias aplicadas aos ordenadores de despesa pública, não tem condão de afastar a irregularidade insanável constatada por julgamento definitivo do TC, sobre a qual opera, inclusive, a coisa julgada administrativa. E, se não há suspensão dos efeitos da decisão ou sua alteração por parte do Poder Judiciário, prevalece o inteiro teor da decisão definitiva da Corte de Contas. O saneamento de irregularidade de contas somente pode ser reconhecido pela Justiça Eleitoral, quando se refere às causas de inelegibilidade.
3 – Ficando demonstrada nos autos, por meio de minuciosa investigação dos órgãos técnicos do TC-ES, a contratação ilegal e injustificada de três empresas de consultoria para realizarem atividade fim da administração, já prevista no rol de atribuições de seus servidores efetivos e órgãos internos, bem como a contratação de servidores comissionados em número bem superior ao de servidores públicos efetivos, e, considerando a gravidade da ofensa aos princípios da obrigatoriedade do concurso público, art. 37, II, da CF/88, e ofensa aos princípios informadores da administração pública, art. 37, caput, da CF/88, além de nítida infringência do disposto no art. 11, caput, da Lei 8.429/92, restando, assim, evidente o dolo genérico na conduta do Recorrente. Precedentes do STJ. O que é suficiente para a configuração de sua inelegibilidade, nos termos da LC 135/2010.
4 – Pelos mesmos fundamentos, é inegável o recorrente por violação à regra constitucional da obrigatoriedade das licitações públicas, sendo a dispensa indevida, infrações ao art. 10, VIII, segunda parte, da lei 8.429/92 ensejadora, também, da inelegibilidade em comento.
5 – Não há falar em meras irregularidades formais acompanhadas de boa-fé administrativa, quando se constata graves violações de regras e princípios constitucionais, como a obrigatoriedade do concurso público e a exigibilidade de licitação nas contratações públicas, que consubstanciam atos dolosos de improbidade administrativa, ainda que em caráter genérico.
6 – Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida. Registro Indeferido. (g.n.)

Publicado em 28/02/2013 no Diário de justiça eletrônico, página 17-19
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 288-19.2012.6.08.0026 – CLASSE 32 – SERRA – ESPÍRITO SANTO.
Relator: Ministro Henrique Neves da Silva.
Recorrente: Adir Paiva da Silva.
Advogado: Adir Paiva da Silva.
Recorrido: Ministério Público Eleitoral.
DECISÃO
Adir Paiva da Silva interpôs recurso especial eleitoral (fls. 340-354) contra o acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo que, por unanimidade, reformou sentença e indeferiu o seu pedido de registro de candidatura ao cargo de vereador do Município de Serra/ES, com fundamento na hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90 (fls. 317-327).
O acórdão regional possui a seguinte ementa (fl. 318):
RECURSO ELEITORAL – REGISTRO DE CANDIDATURA – IMPUGNAÇÃO – CONTAS REJEITADAS – PAGAMENTO DE VERBA EXTRA A SI PRÓPRIO ENQUANTO PRESIDENTE DA CÂMARA – COMPRA DE 17 CADEIRAS MASSAGEADORAS PARA OS VEREADORES – APLICAÇÃO DA INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA “g” , DA LC 64/90 – RECURSO PROVIDO – INDEFERIMENTO DO REGISTRO.
1. A jurisprudência entende que o pagamento de multa aplicada pela Corte de Contas não afasta a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “g” , da LC 64/90.
2. As irregularidades constatadas pela Corte de Contas, configuram, efetivamente, atos dolosos. Isso porque além de contrariarem a ética, o senso comum de honestidade, retidão e moralidade, e afrontarem a Constituição Federal e os princípios e preceitos da Administração Pública, ainda causaram prejuízo ao erário.
3. No exercício da função pública, cabe ao gestor comprovar a boa aplicação dos recursos sob sua responsabilidade, o que não se verifica no caso em voga, extraindo-se, com clareza e de forma objetiva, o dolo genérico de suas condutas.
4. Recurso Eleitoral provido, para indeferir o registro de candidatura.

Acórdão de 08/11/2012
Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 8/11/2012
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N° 122-63.2012.608.0033 – CLASSE 32 – ECOPORANGA – ESPÍRITO SANTO
Relator: Ministro Arnaldo Versiani Leite Soares
Embargante: Izaias Ramos Neto
Advogados: Eduardo Dantas Ramos Júnior e outro
Embargado: Ministério Público Eleitoral
Inelegibilidade. Rejeição de contas.
1. Na linha da jurisprudência deste Tribunal, recebem-se como agravo regimental os embargos de declaração opostos contra decisão individual.
2. A decisão do Tribunal de Contas que declara o saneamento do processo, que permite inferir que se tratou tão somente do reconhecimento quanto à quitação da multa imposta ou do recolhimento dos valores devidos ao erário, não elide a prática de irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa.
Embargos de declaração recebidos como agravo regimental e não provido.
Relatório
O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Senhora Presidente, o Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo, à unanimidade, negou provimento a recurso e manteve a sentença que indeferiu o pedido de registro de candidatura de Izaias Ramos Neto ao cargo de vereador do Município de Ecoporanga/ES, com fundamento no art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar n° 64/1990 (fls. 315-327).
[…]
Alega que a decisão agravada também teria sido omissa quanto à tese da segurança jurídica, por ele arguida desde o juízo de primeiro grau, consistente na discussão acerca de seu direito de ver analisadas as suas condições de elegibilidade, em função da decisão definitiva do TCE/ES relativa às suas contas do exercício de 2004.
VOTO
[…]
O agravante insiste no argumento de que o TCE/ES, por meio do Acórdão n° 2831/2008, teria julgado saneado o processo, considerando regulares os seus atos de gestão e lhe dando quitação.
Ressalto que a decisão do Tribunal de Contas que declara o saneamento do processo, que permite inferir que se tratou tão somente do reconhecimento quanto à quitação da multa imposta ou do recolhimento dos valores devidos ao erário, não elide a prática de irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa.
[…]
Pelo exposto, mantenho a decisão agravada, por seus próprios fundamentos, e nego provimento ao agravo regimental.

Publicado em sessão em 18.10.2012
AgR-Respe nº 407-04/ES, Relatora Ministra Nancy Andrighi,
DECISÃO MONOCRÁTICA
[…]
C) a certidão negativa emitida pelo TCE/ES em 24.7.2012 (fl. 121) não beneficia o agravante – e tampouco contradiz a certidão positiva de folhas 123-124 – pois decorre unicamente do pagamento da multa imposta pela Corte de Contas. (grifo nosso)
[…]
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, G, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. REJEIÇÃO DE CONTAS. PAGAMENTO DA MULTA. IRRELEVÂNCIA. DESPROVIMENTO.
1. A caracterização da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC 64/90 pressupõe a rejeição de contas relativas ao exercício de cargo ou função pública por decisão irrecorrível proferida pelo órgão competente (salvo se suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário) em razão de irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa.
2. Na espécie, o TCE/ES rejeitou as contas prestadas pelo agravante – relativas aos exercícios de 2004 e 2005, na qualidade de presidente da Câmara Municipal de Ibatiba/ES – em razão do descumprimento da LC 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). (grifo nosso)
3. A quitação da multa imposta pelo Tribunal de Contas não tem o condão de afastar a inelegibilidade. Precedentes.
4. Agravo regimental não provido.

Corroborando tal assertiva, outros precedentes deixam estreme de dúvidas a impossibilidade lógica de a simples quitação de multa/débito convolar-se em medida saneadora das irregularidades:

A quitação do débito não tem o condão de afastar a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90. Precedentes. Agravo desprovido. (AgR-REspe nº 23.019/GO, rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes, PSESS em 11.10.2004, grifo nosso.)
4. Nos termos da jurisprudência desta c. Corte, o pagamento de multa não afasta a inelegibilidade de que trata o art. 1º, I, g, da LC no 64190 (AgR-REspe no 338881PE, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 19.2.2009).
2. Conforme entendimento desta Corte, a prática de ato de improbidade administrativa constitui irregularidade insanável, motivo pelo qual a quitação de multa imposta pelo Tribunal de Contas Estadual, em razão de tal ato, não exclui a sanção de inelegibilidade cominada ao candidato.
Agravo regimental a que se nega provimento. (AgR-RO nº 1.208/MT, rel. Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos, PSESS em 31.10.2006, grifo nosso.)

Desse modo, constata-se que o posicionamento das Cortes de Contas contrasta com a tendência jurisprudencial do TSE. Para o órgão eleitoral, o fato gerador da inelegibilidade reporta-se à irregularidade perpetrada, sendo a eventual quitação insuscetível de alteração da natureza da decisão.

Em outros termos, ainda que ocorra a quitação, permanece a irregularidade, não alterando o status quo ante da decisão, devendo o gestor responder pela sua conduta, mantendo-se incólume a proteção à probidade administrativa.

Outrossim, a Constituição Federal enuncia em seu art. 31, §1º que, ao Poder Legislativo Municipal é atribuído o papel de fiscalização das contas dos municípios, com auxílio dos Tribunais de Contas. Como consectário desta competência, estabeleceu-se como poder-dever dos Tribunais de Contas o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público (art. 71, inciso II, combinado com o art. 75, ambos da Constituição Federal).

Assim, ao decidir-se pela irregularidade das contas prestadas, cumpre à Justiça Eleitoral, em cada caso, analisar se os atos de gestão praticados pelo gestor público que teve suas contas rejeitadas configura ato de improbidade administrativa.

Nesse contexto, ao elaborar a lista de responsáveis com contas julgadas irregulares nos últimos oito anos, a pedido da Procuradoria Regional Eleitoral, o MPC-ES não deixa de respeitar os gestores, não tem intenção de criminalizá-los ou desmoralizá-los e entende que nem todos os que tiveram contas julgadas irregulares praticaram atos de improbidade administrativa e tiveram má-fé. Vale ressaltar, a condição de elegibilidade/inelegibilidade será aferida pela Justiça Eleitoral.

O Ministério Público de Contas é um órgão constitucional, que tem como atribuição principal atuar como fiscal da lei no âmbito do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, tutelando a supremacia e indisponibilidade do interesse público por meio da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública, desempenhando ações de proteção ao erário. Além disso, o MPC-ES tem como responsabilidade a defesa da transparência, a defesa da moralidade, o zelo pelo acesso à informação e a busca à máxima efetividade da Lei Complementar 135/2010, a chamada Lei da Ficha Limpa.