Notícias de irregularidades enviadas por cidadão à Ouvidoria não são objeto de fiscalização: só serão apuradas pela Corte de Contas se forem protocoladas formalmente como denúncia ou representação na sede do Tribunal (no Núcleo de Controle de Documentos – NCD) ou no Sistema de Acesso Identificado, via internet, por meio de certificado digital, restrição que, na avaliação do MPC, frustra a participação da sociedade.
O MPC manifestou-se no protocolo nº 852/2023 de forma contrária à Resolução nº 344/2020 do TCE/ES, base legal da manifestação da Ouvidoria do TCE/ES que conclui pela impossibilidade de a Corte de Contas fiscalizar notícia de irregularidade encaminhada por cidadão ou de recebê-la como denúncia ou representação.
Segundo a avaliação do MPC, isso frustra o importante papel que a sociedade exerce no controle dos gastos públicos. A simples conversão (transformação) da notícia de irregularidade em denúncia resolveria o problema, sem necessidade de nova atuação do cidadão.
O QUE SÃO NOTÍCIAS DE IRREGULARIDADE?
De acordo com o site oficial do TCE/ES, “Serão classificadas como notícias de irregularidade as manifestações que relatarem fatos que contiverem indícios de dano ao erário, de enriquecimento ilícito ou de ofensa aos princípios e normas que regem a Administração Pública, cuja averiguação for de competência do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo.”. Confira:
Fonte: site oficial do TCE/ES. Disponível em: https://www.tcees.tc.br/ouvidoria/conta-pra-gente/ Acesso em: 20 mar. 2023
Embora o conteúdo da notícia de irregularidade seja idêntico ao da denúncia (veja a imagem acima, na qual, inclusive, há menção à palavra “denúncia” entre parênteses logo abaixo de “notícia de irregularidade”, como se um termo explicasse o outro), a Ouvidoria do TCE/ES oferece tratamento desigual às duas demandas.
Na prática, quando a indagação do cidadão caracteriza uma denúncia (apesar de denominada “notícia de irregularidade”), a Ouvidoria do TCE/ES não apura nem promove os encaminhamentos necessários dentro do TCE/ES, simplesmente considera finalizada a sua atuação e propõe que o cidadão denuncie ou represente novamente na sede da Corte de Contas (no Núcleo de Controle de Documentos) ou no Sistema de Acesso Identificado, disponibilizado via internet, por meio de certificado digital – aparato tecnológico de custo elevado a que o cidadão comum não tem acesso. Na visão do MPC, esse obstáculo burocrático é injustificável.
Conforme esclarece o Órgão Ministerial, não é a forma de apresentação ou o meio de comunicação que define se as notícias de irregularidade devem ou não ser fiscalizados pelo Tribunal de Contas, e sim o seu conteúdo.
Ainda de acordo com o MPC, caberia à Corte de Contas adotar, de ofício (por sua iniciativa), mecanismos para submeter a demanda do cidadão (ainda que intitulada “notícia de irregularidade”) à análise do seu corpo técnico de auditores e ao conhecimento do Ministério Público de Contas. Toda e qualquer notícia de irregularidade atinente ao exercício do controle externo da Administração Pública deveria possuir esse tratamento – à semelhança do procedimento adotado pelo Parquet de Contas em expedientes dessa natureza –, sob pena de se criar barreiras infundadas ao exercício do controle social.
Segundo a apreciação ministerial, a Resolução nº 344/2020 do TCE/ES cria uma espécie de procedimento paralelo de análise de notícias de irregularidade – ao lado da disciplina existente na Lei Orgânica da Corte – que esvazia a utilização da Ouvidoria como canal para recebimento de demandas da população.
De acordo com o MPC, o posicionamento da Ouvidoria “não apenas frustra a participação social da camada mais vulnerável da sociedade, justamente a mais atingida pelos atos ilícitos cometidos pela Administração Pública, mas também ignora que o Tribunal de Contas pode, ou melhor, deve conhecer de ofício acerca de irregularidades de que tenha conhecimento por qualquer meio, isto é, sem a necessidade de provocação externa ou de formalismos desnecessários, bastando, para tanto, uma pesquisa simples nos sistemas internos do Tribunal ou até mesmo na internet para verificar a consistência dos indícios dos fatos noticiados a legitimar a continuidade do procedimento fiscalizatório. Aos tribunais de contas, órgãos que têm por missão constitucional fiscalizar ativamente as contas públicas, não se aplica o princípio da inércia da jurisdição.”.
VIOLAÇÃO DAS PRERROGATIVAS DO MPC
Atualmente, as notícias de irregularidade recebidas pela Ouvidoria do TCE/ES só chegam ao conhecimento do MPC se houver pedido expresso do denunciante, conforme art. 38 da Resolução TC nº 344/2020. Assim, muitas demandas estão sendo arquivadas sem a ciência do órgão ministerial, que atua como fiscal da lei.
“O expediente foi encaminhado a este Parquet de Contas em razão de pedido expresso nesse sentido contido na petição inicial, formulado pelo denunciante com fundamento no art. 38 da Resolução TC 344/2020, única hipótese que permite ao Ministério Público de Contas ter acesso às notícias de irregularidade recebidas pela Ouvidoria do Tribunal e relacionadas ao controle externo da Administração Pública:”
Para o MPC, todas as notícias de irregularidades relacionadas ao controle externo da Administração Pública deveriam ser encaminhadas às suas Procuradorias de Contas, tal como ocorre com os processos que tramitam no TCE/ES.
AUSÊNCIA DE INSTRUÇÃO TÉCNICA
As notícias de irregularidades apresentadas à Ouvidoria do TCE/ES por cidadão também não estão sendo submetidas à análise regular dos auditores de controle externo do TCE/ES.
O procedimento adotado pela Ouvidoria do TCE/ES é diferente do adotado pela Ouvidoria do Tribunal de Contas da União (TCU): mesmo denúncias sem evidências ou indícios comprobatórios são submetidas à análise do corpo técnico de auditores federais.
O QUE É A OUVIDORIA?
A Ouvidoria do TCE/ES é um canal de comunicação entre o Tribunal de Contas e a sociedade. Dentre as suas finalidades, destacam-se as seguintes: (i) promover a coparticipação dos cidadãos no exercício da atividade de controle da Administração Pública; (ii) receber as manifestações advindas de órgãos, cidadãos ou entidades, registrando-as em sistema informatizado próprio e tomando as providências que o caso exigir; (iii) traduzir, na prática, o controle social na gestão dos recursos públicos.
A Resolução nº 344/2020 do TCE/ES regulamenta as atribuições, a organização e o funcionamento da Ouvidoria do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo.