São Gabriel da Palha: MPC-ES aponta deficiências em gastos municipais e recomenda cancelar todos os shows nacionais
Publicação em 30 de abril de 2024

Quase um terço da população na linha da pobreza, descaso na saúde e na educação, déficit financeiro e atuarial do regime previdenciário, indício de superfaturamento de cachê e ano eleitoral motivaram o Ministério Público de Contas a recomendar a não realização de gasto milionário com shows de artistas de renome para festa de 61 anos da cidade

O Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) recomendou (Processo TCE-ES 3371/2024) ao atual prefeito de São Gabriel da Palha, Tiago Rocha, na última segunda-feira (29), o cancelamento dos shows dos artistas Bell Marques, Léo Santana, Raí Saia Rodada e Bruna Karla, e a readequação da infraestrutura do evento à nova realidade, que permaneceria com “shows regionais todos os dias”, conforme anunciado pela própria prefeitura do município.

A Recomendação do MPC-ES não só reforça a decisão judicial da 1ª Vara do Juízo de São Gabriel da Palha em Ação Civil Pública, como também a amplia, ao indicar o cancelamento dos shows de todos os artistas nacionais, incluindo a apresentação da artista Bruna Karla, com cachê no valor de R$ 150 mil.

Além dos indícios de superfaturamento na contratação do cantor Bell Marques, com duração de 1 hora e meia, pelo valor de R$ 550 mil, a Notificação Recomendatória 06/2024 revelou que os gastos com os cachês dos artistas nacionais, no valor total de R$ 1.580.000,00, equivalem à soma de todo o orçamento anual de São Gabriel da Palha com cultura nos anos 2021, 2022 e 2023.

Estima-se que o evento como um todo foi concebido para gerar um gasto público de aproximadamente R$ 3 milhões, valor que, na avaliação do MPC-ES, “não orna com a realidade social do pequeno município de São Gabriel da Palha, revelando-se um acinte à parte mais vulnerável da população gabrielense, que depende de serviços públicos, por vezes precarizado, como saúde e educação”.

Ao comparar as despesas previstas nas Leis Orçamentárias Anuais (LOA 2021, LOA 2022, LOA 2023 e LOA 2024) com a função “Cultura”, o órgão ministerial verificou “um expressivo e desproporcional salto no último ano do primeiro mandato do atual prefeito de São Gabriel da Palha”.

A recomendação menciona a frequente ocorrência de desequilíbrio financeiro e atuarial no Regime Próprio de Previdência Social do Município de São Gabriel da Palha (RPPS-SGP), a insuficiência dos repasses obrigatórios do Tesouro municipal para cobertura do déficit financeiro e a ausência de formação mínima de reservas para cobertura de provisões matemáticas dos benefícios concedidos, que também representam obstáculos à realização de um evento de grande porte.

De acordo com o Painel de Controle de Previdência, na aba Resultado Atuarial de 2024, referente à situação previdenciária do município de São Gabriel da Palha, é possível observar um passivo atuarial no montante de R$ 96,18 milhões, com cobertura de ativos disponíveis apenas na casa de R$ 49,96 milhões, assim como índices insatisfatórios de cobertura de benefícios concedidos (0,24 – ou seja, para cada R$ 1 de benefício concedido, tem-se apenas R$ 0,24 hoje) e de solvência do RPPS (0,52). Confira na imagem abaixo:

 

Outro fato citado é que o atual prefeito de São Gabriel da Palha chegou a denunciar irregularidades no RPPS do município (Representação TCE-ES 512/2020) quando exercia o cargo de vereador, em 2020, apontando inclusive o agravamento do déficit atuarial. Contudo, a Área Técnica do TCE-ES tem identificado graves irregularidades previdenciárias na gestão atual, como no Processo 4781/2023 (Prestação de Contas Anual de 2022).

A recomendação de cancelar parte dos shows planejados para o aniversário da cidade devido aos altos custos dos cachês dos artistas é, portanto, apenas um dos desdobramentos dessa crise previdenciária que afeta diretamente a vida dos servidores municipais e a gestão dos recursos públicos.

Conforme a notificação recomendatória do MPC-ES, as despesas previdenciárias possuem natureza obrigatória e, portanto, devem ser priorizadas em relação às despesas não obrigatórias, discricionárias e facultativas, com festividades, por exemplo, notadamente quando desproporcionais à realidade do município.

 

Considerando que a falência financeira do RPPS do Município de São Gabriel da Palha decorre, historicamente, de uma atuação premeditada, deliberadamente articulada entre os Prefeitos Municipais (autoridades políticas nomeantes), que conscientemente deixam de realizar os repasses obrigatórios para cobertura do déficit financeiro da folha de pagamento dos servidores inativos e pensionistas, permitindo utilizá-los em despesas não obrigatórias que lhes sejam mais convenientes, a exemplo da realização de eventos festivos que capturem os sentimentos do eleitorado, e os Diretores do SGP-PREV (servidores comissionados nomeados que precisam seguir as diretrizes da autoridade nomeante para se manterem no cargo), que se omitem de forma conivente em relação à ausência desses repasses, utilizando a inércia da autoridade nomeante para justificar o uso prematuro e indevido das reservas financeiras do RPPS para cobrir as despesas de responsabilidade do Prefeito, gerando a permanente necessidade de parcelamento de débitos previdenciários – inclusive sem autorização legislativa – e de ampliação periódica da alíquota do plano de amortização do déficit atuarial, jogando o problema para debaixo do tapete das gestões futuras, conforme se depreende da didática análise técnica contida na citada Instrução Técnica Conclusiva 04854/2023-6 (Processo TC 5555/2023, referente ao exercício 2022)”. Trecho da Notificação Recomendatória 06/2024 do MPC-ES

 

A recomendação cita, ainda, a estratégia adotada pelo prefeito em ano eleitoral, que englobou a antecipação de feriado municipal (de terça-feira, 14 de maio, para segunda-feira, 13 de maio) para possibilitar mais dias seguidos de festa, o que lembra a “política do pão e circo” – prática adotada pelo Império Romano de oferecer entretenimento à população como forma de apaziguamento político e desvio de foco quanto aos reais problemas do governo -, enquanto quase um terço da população de São Gabriel da Palha encontra-se abaixo da “linha da pobreza”, vivendo com até meio salário mínimo por habitante, segundo dados do IBGE.

Para o MPC-ES, a realização de grandes despesas com shows artísticos em ano eleitoral exige a máxima atenção dos órgãos de controle judiciários e administrativos, tendo por objetivo evitar o indevido uso político da máquina pública em benefício próprio dos gestores da ocasião, ainda mais sendo o prefeito pré-candidato à reeleição, conforme noticiado na imprensa, o que revela uma necessidade ainda maior de monitoramento das despesas facultativas (não obrigatórias) com shows.

O órgão ministerial reconhece a importância da celebração do 61º Aniversário de Emancipação Político-Administrativa do Município de São Gabriel da Palha, mas pondera que, diante de indicadores desfavoráveis em áreas e serviços essenciais como saúde, educação e saneamento – prioridades na aplicação de recursos públicos, notadamente em municípios pequenos, como São Gabriel da Palha – os gastos milionários com shows de artistas nacionais devem ser reavaliados.

 

VEJA NA ÍNTEGRA

Confira a Recomendação do MPC-ES

Confira a petição inicial da Ação Civil Pública (ACP) do MPES

Confira a decisão judicial na ACP 5001248-39.2024.8.08.0045

Confira o Agravo do município de São Gabriel da Palha

 

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