É inegável a evolução no enfrentamento das questões raciais e de desigualdades. No entanto, ainda há muitos desafios a serem enfrentados
Por Luis Henrique Anastácio da Silva*
O Dia da Consciência Negra, além de um dia festivo, é fundamental para evidenciar as desigualdades e violências contra a população negra ainda existentes em nossa sociedade. Muito além de um momento de comemoração, a data proporciona reflexão sobre o racismo e as suas implicações na atualidade.
Ela nos remete a quatro séculos de escravidão do povo negro, nos traz à luz discussões importantes como desigualdade e racismo: “É o símbolo da luta, da resistência e a consciência de que a negritude não é inferior e que o negro tem seu valor e seu lugar na sociedade”.
Nos idos anos 70 e 80 no Brasil, se propagava que no País não havia racismo, que éramos uma democracia racial, nas escolas, nos meios de comunicação e na sociedade em geral. Não mudou tanto, pois o ex-vice-presidente da República, quando da morte de um homem negro em um supermercado, disse que não havia racismo no Brasil. Isso, em 2022.
Ouvíamos clichês como negro de alma branca, havia listas em escolas de ensino médio com mais de trinta frases com piadas racistas, e as tranças – traço cultural da população negra que ainda hoje carrega um viés negativo – naquela época eram relacionadas ao pior que existia na sociedade.
Esses exemplos são um microcosmo de situações que marcam a lembrança de vários adolescentes e crianças que viveram naquela época.
Embora houvesse vários movimentos negros no Brasil, inclusive com inspiração em grupos norte-americanos, somente com o fim da ditadura e durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 surgiu uma minúscula bancada negra. Um dos expoentes dela foi Abdias Nascimento e, segundo historiadores, foi a primeira vez que o Congresso teve um parlamentar engajado no combate ao racismo.
Os movimentos negros e essa bancada negra minúscula conseguiram enfrentar o discurso do mito da democracia racial, aprovando o texto que criminaliza o racismo, como reza o artigo 5º, XLII, da Constituição de 1988: “A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.
É inegável a evolução no enfrentamento das questões raciais e de desigualdades, assim como o surgimento de novos conceitos como Racismo Estrutural, Racismo Institucional, importantes para construções jurídicas, discussões acadêmicas, debates, discursos, construções de políticas públicas, entre outros.
No entanto, ainda hoje há muitos desafios a serem enfrentados. É impossível relacionar todos em um simples artigo, mas algumas questões nos saltam aos olhos, pois são recorrentes e praticamente diárias, reafirmando que se trata de uma relação exemplificativa, não exaustiva.
Vejamos: erros no reconhecimento de pessoas presas recaem sobre negros, diz estudo da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro apresentado em 2023; negros e pardos são maioria no mercado de trabalho, mas rendimentos de brancos são 61,4% maiores, aponta IBGE; negros têm quase quatro vezes mais chances de serem mortos pela polícia do que brancos, mostra Anuário de Segurança Pública; o apagamento de religiões de matriz africana, inclusive com violência por parte de outros grupos religiosos, a exemplo do incêndio ocorrido em Terreiro em Vila Velha este ano; a ausência, com raríssimas exceções, de negros em posições de poder, evidenciada pelo comentário irônico de colunista do UOL, professor da USP de Direito Constitucional, diante da foto de posse em um Tribunal Superior, de que “estamos em um País Nórdico”.
Poderíamos discorrer sobre diversas questões, como visto acima. A luta dos movimentos sociais, em especial dos movimentos negros, desde os anos 1970, intensificada com a Constituição de 1988, fortaleceu toda essa discussão. Hoje, vemos muitos jovens negros e negras demonstrando orgulho de sua cor, de sua raça, abraçando sua cultura. O último censo do IBGE mostrou um aumento significativo de pessoas que se declaram pretos ou pardos.
Por isso, o Dia da Consciência Negra é um dia para comemorar, mas também para lembrar do que representa ser negro todos os dias, da história, com todos os problemas, desafios e lutas diárias de um povo, e nos remete ao futuro em busca de soluções e mudanças.
Tudo está relacionado a questões raciais e de desigualdades. Sendo assim, essa luta não deveria estar restrita somente a uma raça, e sim a toda a sociedade.
*Luis Henrique Anastácio da Silva é procurador titular da 1ª Procuradoria do Ministério Público de Contas do Espírito Santo
Artigo publicado originalmente na coluna Tribuna Livre, no site Tribuna Online