Parecer ministerial pede ao Tribunal de Contas que determine ao município a atuação imediata em relação ao contrato de concessão do transporte público coletivo de passageiros de Guarapari, tendo em vista a gravidade das irregularidades apontadas em representação e confirmadas pela equipe técnica da Corte de Contas
Em parecer emitido em representação que aponta diversas irregularidades na concessão do transporte público de passageiros de Guarapari, o Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) defendeu a intervenção cautelar na concessão do serviço. A medida tem como base irregularidades graves apontadas no Contrato de Concessão 106/2016, firmado pela Prefeitura de Guarapari com a empresa C. Lorenzutti Participações Ltda, entre as quais uma dívida tributária de mais de R$ 13 milhões da concessionária.
Na representação (Processo 7315/2023), foi apontado o descumprimento do contrato por parte da concessionária e falta de fiscalização adequada pelo município. Estão entre as irregularidades pontuadas: número de veículos em desacordo com o contrato e edital de licitação; localização da garagem da concessionária em desacordo com o edital; ausência de recolhimento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) pela concessionária, resultando em dívida milionária perante o município.
Em resumo, o representante propôs ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-ES) que aprofundasse a apuração das irregularidades, com o objetivo de saná-las e adequá-las ao contrato e ao procedimento licitatório ou, se necessário, anular o contrato e responsabilizar os envolvidos.
Inicialmente, o relator do caso, conselheiro Rodrigo Coelho, acatou a proposta da equipe técnica do TCE-ES, que sugeriu a notificação da prefeitura e da Secretaria Municipal de Postura e Trânsito de Guarapari, bem como da concessionária, para que apresentassem suas manifestações.
Após analisar as alegações e documentos apresentados, a equipe técnica se manifestou para que a representação seja julgada procedente, com o reconhecimento de três irregularidades indicadas. O parecer ministerial concorda com a procedência, mas diverge de algumas sugestões do Núcleo de Controle Externo de Fiscalização de Programas de Desestatização e Regulação (NDR).
Frota reduzida
A primeira divergência do MPC-ES em relação ao encaminhamento do NDR envolve a constatação de que a empresa concessionária tem prestado serviços com número bastante inferior de veículos.
O parecer ministerial destaca que a equipe técnica apurou que a concessionária chegou a operar com apenas 38 veículos, quantidade muito abaixo do mínimo inicial obrigatório fixado no contrato (99 veículos em operação), representando apenas cerca de 35% da frota mínima exigida.
Com base nesses dados, o MPC-ES se manifestou totalmente contrário à proposta de revisão dos termos do Contrato 106/2016, apresentada pelo NDR como solução para adequar o serviço à “realidade fática atual”, sob a alegação de garantir à concessionária remuneração suficiente para honrar suas obrigações.
“Tal proposta – longe de solucionar o problema – configura, na verdade, um prêmio à ineficiência e um estímulo ao descumprimento contratual reiterado, além de representar uma transferência inadmissível para o Poder Público dos ônus decorrentes de uma proposta inadequada ou inviável apresentada pela própria concessionária por ocasião da licitação.” (Trecho do parecer do MPC-ES no Processo 7315/2023)
Para o MPC-ES, a diferença entre os números de veículos em operação não configura “mero ajuste operacional ou circunstância econômica superveniente, mas uma inequívoca alteração unilateral e prejudicial das condições contratuais originalmente pactuadas”. Essa situação, completa o órgão ministerial, “compromete a qualidade, a regularidade e a eficiência do serviço público prestado à população”, bem como pode ser usada como causa da extinção da concessão, na forma do inciso IX, da Cláusula 12.1, do Contrato de Concessão 106/2016.
Diante desses fatos, que têm se repetido e configuram descumprimento contratual grave, o órgão ministerial sugere a adoção das providências legais cabíveis previstas na Lei 8.987/1995, entre elas a intervenção cautelar ou o procedimento de extinção da concessão por caducidade, visando proteger o interesse público e o patrimônio municipal. Ainda opina pela aplicação de multa aos responsáveis.
Localização da garagem
O parecer ministerial destaca que a localização da garagem da concessionária constitui elemento essencial do contrato, pois interfere diretamente nos custos operacionais, no planejamento logístico e no próprio cálculo da tarifa de remuneração, bem como influencia na igualdade de condições para os licitantes.
No entanto, conforme consta na conclusão da equipe técnica do TCE-ES, a concessionária mantém a localização da garagem em evidente desacordo com o edital e com o contrato celebrado, em área urbana adensada de Guarapari. O município foi notificado a respeito, mas não adotou providências.
Por conta disso, o MPC-ES se manifesta pela manutenção da irregularidade, com a determinação ao Poder Concedente para que adote as medidas cabíveis para restabelecer a legalidade, o equilíbrio contratual e a defesa do interesse público. Também sugere a aplicação de multa em razão dessa irregularidade.
Ausência de recolhimento de ISS
De acordo com análise feita nos documentos constantes no Processo 7315/2023, a empresa C. Lorenzutti Participações Ltda., concessionária do serviço público de transporte coletivo no município de Guarapari, não tem efetuado, de forma sistemática, o recolhimento do ISS, tributo devido aos cofres de Guarapari.
“Essa irregularidade caracteriza-se como uma violação grave não apenas do ponto de vista fiscal, mas sobretudo contratual e jurídico, dado que a obrigação tributária constitui elemento essencial da higidez das relações contratuais firmadas com a Administração Pública, especialmente em contratos de concessão regulados pela Lei 8.987/1995”.(Trecho do parecer do MPC-ES no Processo 7315/2023)
Na avaliação do MPC-ES, ao deixar de recolher o ISS, a concessionária atenta frontalmente contra o patrimônio público municipal, uma vez que a inadimplência tributária gera danos ao erário, pois priva o município de recursos essenciais para a implementação de políticas públicas. Para o órgão ministerial, essa irregularidade compromete, inclusive, a sustentabilidade econômica e financeira dos serviços sob responsabilidade direta da concessionária, além de criar uma situação de desequilíbrio econômico injustificável.
O parecer ministerial ressalta que a empresa concessionária tem uma dívida total de tributos ao município de Guarapari no valor de R$ 13.325.683,71, conforme verificado pelo MPC-ES no portal da transparência da prefeitura, no dia 7 de abril deste ano.
Soma-se a isso o fato de a equipe técnica ter verificado que a proposta inicial apresentada pela concessionária previa um prejuízo de cerca de R$ 400 mil mensais. Esse dado demonstra, na avaliação do órgão ministerial, que a empresa se preocupou em vencer a licitação e depois adaptou a execução contratual para tornar a sua proposta viável.
Embora a sugestão do NDR na Instrução Técnica Conclusiva seja pela realização do reequilíbrio contratual, a equipe menciona na peça processual que o reconhecimento da existência de desequilíbrio desde a assinatura do contrato “pode implicar na invalidação de todo o certame licitatório”. Por isso, o MPC-ES considera que tal medida proposta pelo corpo técnico tem capacidade protelatória e não efetiva.
Assim, o MPC-ES propõe o reconhecimento da irregularidade para que o TCE-ES determine ao município de Guarapari a instauração, imediata, de procedimento administrativo cautelar de intervenção na concessão.
Procedimento cautelar de intervenção
Esse tipo de procedimento é considerado um dever do Poder Concedente, quando houver descumprimento das obrigações contratuais de concessões públicas e tem como objetivo impedir que a prestação do serviço se agrave a ponto de causar danos irreversíveis à coletividade ou aos cofres públicos, conforme jurisprudência juntada no parecer ministerial.
O MPC-ES avalia que o contrato de concessão do serviço público de transporte coletivo de passageiros de Guarapari está marcado por uma série de descumprimentos que não se resolvem por meio de simples ajustes contratuais. Além disso, assinala que a revisão contratual ou o reequilíbrio econômico-financeiro pressupõem boa-fé e capacidade efetiva da concessionária em superar as falhas, o que entende que não foi demonstrado no processo.
Dessa forma, o MPC-ES defende que o procedimento de intervenção cautelar é a medida cabível para a situação apresentada, pois respeita o contraditório e a ampla defesa, além de assegurar que, caso sejam mantidos os descumprimentos contratuais, possa ser instaurado o devido processo legal para eventual declaração de caducidade (extinção da concessão), encerrando o contrato que se tornou inoperante.
Por fim, o parecer ministerial pede que o Tribunal de Contas julgue procedente a representação, aplique multa de R$ 100 mil à concessionária e aos demais envolvidos, determine ao atual prefeito de Guarapari que decrete a intervenção cautelar da concessão dos serviços de transporte público coletivo de passageiros do município no prazo de 10 dias, a partir da decisão da Corte de Contas. Depois disso, que seja instaurado procedimento administrativo, no prazo de 30 dias, para comprovar as causas determinantes da medida e apurar responsabilidades, assegurado o direito à ampla defesa. O procedimento deve ser concluído no prazo de 180 dias.
De maneira alternativa, caso o TCE-ES não acate o pedido de intervenção cautelar, o Ministério Público de Contas pede a extinção antecipada do contrato e a realização de nova licitação pela Prefeitura de Guarapari. Neste caso, o chefe do Executivo municipal deverá submeter um cronograma de ações, no prazo de 60 dias, para promoção de nova licitação da concessão dos serviços público de transporte coletivo de passageiros e para antecipação do término do Contrato 106/2016.
Depois de emitido o parecer ministerial, o processo foi encaminhado ao gabinete do relator, para elaboração do voto. O caso será levado à apreciação do Plenário do TCE-ES em sessão virtual prevista para o dia 15 de maio, quando os conselheiros deverão decidir sobre as medidas a serem adotadas.
Confira a íntegra do Parecer do MPC-ES no Processo 7315/2023
Acompanhe o andamento do Processo TC 7315/2023