Julgamento será realizado em sessão virtual do Plenário do STF que começa nesta sexta (20) e vai até o próximo dia 30; ministro Dias Toffoli é o relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
O Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) defendeu que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue inconstitucional a exigência de critérios de seletividade para denúncias de cidadãos ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-ES). A manifestação foi realizada na condição de amicus curiae (amigo da corte) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7459, na qual a Procuradoria-Geral da República (PGR) propõe a inconstitucionalidade do artigo 177-A do Regimento Interno do TCE-ES, que impôs esses critérios.
A ação foi proposta pela PGR com base em representação do MPC-ES. Ela será julgada a partir desta sexta-feira (20), às 11 horas, em sessão virtual do Plenário da Suprema Corte, sob a relatoria do ministro Dias Toffoli. O encerramento do julgamento está marcado para o dia 30 de junho.
O artigo 177-A do Regimento Interno do TCE-ES instituiu a Análise Prévia de Seletividade, um mecanismo que, na avaliação da PGR e do MPC-ES, impede o pleno acesso do cidadão à análise de denúncias e representações de irregularidades na administração pública capixaba.
O documento inicial da PGR aponta violação aos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, eficiência e probidade administrativa, além de restrição ao direito de denúncia dos cidadãos e descumprimento de dispositivos constitucionais que tratam das competências, organização e atribuições dos Tribunais de Contas.
“Muro de burocracia”
Aceito pelo relator para atuar como amigo da corte no processo, o MPC-ES defendeu a inconstitucionalidade do artigo 177-A, em sustentação oral enviada à Suprema Corte na última terça-feira (17). O órgão ministerial foi representado pelo procurador Heron Carlos Gomes de Oliveira, que classificou a Análise Prévia de Seletividade como um “muro de burocracia”, que impede o cidadão de ter suas denúncias lidas, instruídas e devidamente analisadas pelo Tribunal de Contas.
Ele argumentou que o mecanismo criado pelo artigo 177-A, embora involuntariamente, pode proteger ações à margem da legalidade ao impedir a apuração de denúncias, pois restringe o direito do cidadão à informação e ao acesso pleno ao controle externo.
“O referido artigo 177-A criou uma barreira praticamente intransponível para o cidadão denunciar irregularidades ocorridas no seio da administração pública estadual e municipal. Ao se criar requisitos de admissibilidade sigilosos, intrincados, subjetivos, incoerentes e não previstos em lei, ele impede que o corpo técnico do Tribunal de Contas analise o mérito das denúncias recebidas, o que conduz, invariavelmente, à insólita extinção dos processos de fiscalização, sem resolução do mérito, isto é, sem que as irregularidades denunciadas sejam efetivamente lidas, instruídas e analisadas pelo órgão concebido justamente para fiscalizar o uso adequado do dinheiro público”. Procurador Heron Carlos Gomes de Oliveira em sustentação oral representando o MPC-ES
Veja abaixo a sustentação oral do MPC-ES completa.
Arquivamento de denúncias
Outro ponto destacado na sustentação oral do MPC-ES foi o arquivamento sem análise de mérito de 85% do total de denúncias e representações apresentadas ao Tribunal de Contas que preencheram os requisitos de admissibilidade previstos em lei, no primeiro ano de funcionamento do dispositivo regimental. Os dados são de levantamento feito pelo próprio órgão ministerial, no qual consta que apenas 14 de 98 representações e denúncias nessa situação chegaram a ser devidamente analisadas. As outras 84 foram sumariamente arquivadas.
Pedidos
Ao final, o MPC-ES pediu que seja declarada a inconstitucionalidade do dispositivo questionado na ADI e que o Supremo atribua efeito retroativo à decisão, anulando todas as decisões do Tribunal de Contas que promoveram o arquivamento indevido de denúncias com base no artigo 177-A. O pedido tem como objetivo viabilizar o desarquivamento dos processos arquivados para que tenham o mérito analisado.
Na hipótese de o artigo 177-A ser considerado constitucional, o Ministério Público de Contas defendeu que o STF declare inconstitucional o caráter sigiloso atribuído aos indicadores, parâmetros e pontuações utilizados na Análise Prévia de Seletividade. Também sustentou a necessidade de ampla publicidade sobre a metodologia e os critérios de seleção, incluindo orientações claras ao cidadão sobre o preenchimento dos requisitos, e que se utilizem apenas fontes públicas de informação para garantir a verificabilidade e reprodutibilidade do trabalho.
Amigo da corte
Na atuação como amicus curiae (amigo da corte), o Ministério Público de Contas pode fornecer dados e informações relevantes para o julgamento, contribuindo para melhores esclarecimentos sobre a matéria, ainda que não seja parte formal da Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Esta é a segunda vez em que o MPC-ES atua na condição de amigo da corte no STF. A primeira vez foi na ADI 5691, julgada em outubro de 2020 pelo Supremo, que declarou inconstitucional pagar aposentados com recursos da educação no Espírito Santo. Na ocasião, as informações prestadas pelo MPC capixaba foram destacadas pela relatora do caso, ministra Rosa Weber, para a contextualização do problema e as implicações do dispositivo questionado para o financiamento da educação no Espírito Santo.
Violação a princípios constitucionais
Em sua petição inicial, a PGR sustenta que o artigo 177-A, incluído no Regimento Interno do TCE-ES em 2023, viola os seguintes princípios constitucionais previstos no artigo 37 (legalidade, moralidade, eficiência e probidade administrativa).
O documento aponta, ainda, que a inovação regimental fere o direito de denúncia, pois impõe obstáculos ao direito de qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato denunciar irregularidades ou ilegalidades ao Tribunal de Contas.
Da mesma forma, a Procuradoria-Geral da República considera que o artigo 177-A compromete a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, que está na Carta Magna como atribuição primordial dos Tribunais de Contas. Conforme o texto constitucional, cabe aos Tribunais a fiscalização da gestão pública de forma ampla, sem que haja barreiras indevidas ao recebimento e processamento de denúncias.
Ademais, a PGR entende que a inovação regimental fere o princípio da simetria e modelo de organização e fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU), ofendendo os artigos 71, 73, 74 e 75 da Constituição Federal. Portanto, considera que o dispositivo inserido no Regimento Interno da Corte de Contas capixaba ultrapassa a autonomia dos Tribunais de Contas, a qual não pode se sobrepor aos princípios e garantias constitucionais que regem a atuação do controle externo.
Assim, na avaliação da PGR, a intenção da Análise Prévia de Seletividade, que seria a de otimizar a atuação do Tribunal de Contas, acaba por criar um obstáculo ao controle social e à efetividade da fiscalização.
Inicialmente, a PGR pediu a concessão de medida cautelar para suspender o artigo inserido no Regimento Interno do TCE-ES (Resolução 261/2013) e, ao final, que seja declarada a inconstitucionalidade do Art. 177-A, para que as decisões proferidas pelo Tribunal de Contas sejam tomadas pelos conselheiros, nos termos da lei.
Confira a íntegra da sustentação oral do MPC-ES na ADI 7459
Confira a petição inicial da PGR na ADI 7459
Veja detalhes da ADI 7459