Ministério Público de Contas aponta diversas irregularidades e pede suspensão de edital para terceirização da UPA de Serra Sede

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Representação destaca que Conselho Municipal de Saúde não foi consultado antes do lançamento do edital, como determina a legislação, e posteriormente foi totalmente contrário à terceirização, além de indicar cláusulas restritivas e violação a diversos princípios constitucionais

O Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) protocolou Representação pedindo a suspensão do Edital de Convocação Pública 001/2025, lançado pela Prefeitura de Serra para a seleção de organizações sociais para assumir a gestão da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Serra Sede. O órgão ministerial aponta diversas irregularidades que afrontam a Constituição Federal e o ordenamento jurídico, colocando em risco a moralidade administrativa, a eficiência e o direito fundamental à saúde.

A Representação (Processo 5806/2025) foi conhecida pelo conselheiro Luiz Carlos Ciciliotti, relator do caso, em decisão publicada nesta quinta-feira (31), no Diário Oficial de Contas. Na mesma decisão, o relator determinou a notificação do prefeito da Serra, Weverson Meireles, e do secretário municipal de Saúde, Diogo Cosme, para se manifestarem no prazo de cinco dias, para somente depois disso analisar o pedido cautelar feito pelo órgão ministerial.

Ela foi proposta pelo MPC-ES após análise do procedimento licitatório, cuja cópia integral foi remetida pela Promotoria de Justiça da Serra, após a conclusão de inquérito civil sobre os fatos, com o pedido para que o órgão ministerial com atuação no Tribunal de Contas do Estado (TCE-ES) adotasse as providências cabíveis.

Irregularidades

Conforme consta nos autos, o edital foi publicado em 30 de dezembro de 2024, antes de qualquer submissão ao Conselho Municipal de Saúde da Serra (CMSS), configurando um “ato jurídico dependente” praticado sem a condição de validade exigida pela legislação. O CMSS somente se manifestou sobre o edital em 24 de fevereiro de 2025, por meio da Resolução 677, em que foi contrário à terceirização da UPA Serra Sede.

Segundo o MPC-ES, a decisão de terceirizar a UPA, sendo uma alteração estratégica na política de saúde, depende de aprovação prévia do Conselho. A manifestação contrária do CMSS confirma a irregularidade e demonstra que o órgão de controle social reprova a medida do Executivo municipal.

A Prefeitura da Serra alegou suposta melhora na eficiência e economicidade com a terceirização. Todavia, o órgão ministerial aponta dados que indicam o contrário: a UPA Serra Sede, sob gestão direta municipal, apresenta desempenho superior às unidades geridas por organizações sociais. Em 2024, a UPA de Serra Sede realizou 194.491 atendimentos, superando significativamente as UPAs de Castelândia e Carapina, ambas geridas por Organizações Sociais.

Na prática, os dados demonstram que a gestão direta municipal da UPA de Serra Sede não apenas funciona adequadamente, mas supera em desempenho as unidades já terceirizadas, questionando fundamentalmente a racionalidade da decisão administrativa”. (Trecho da Representação 5806/2025)

O MPC-ES aponta um desvio de finalidade, com indício de que a motivação real seria a exclusão dos custos da UPA do orçamento municipal, numa tentativa de maquiagem fiscal. Além disso, foram indicadas inconsistências dos dados apresentados pelo município à Promotoria de Justiça para justificar a terceirização.

Exigências restritivas no edital

Além das irregularidades relacionadas ao ato administrativo que iniciou o processo de terceirização, o Ministério Público de Contas aponta diversas restrições no conteúdo do edital, as quais comprometem os princípios da livre concorrência, isonomia e busca pela proposta mais vantajosa.

O MPC-ES considera desproporcional a cláusula 6.2 do edital, que exige que as entidades apresentem três indicadores financeiros (Índice de Liquidez Geral, Índice de Solvência Geral e Índice de Liquidez Corrente) todos iguais ou superiores a 1,0.

Da mesma forma, o órgão ministerial considera restritiva a cláusula 7.17.5, que veda qualquer “taxa de administração”, situação apontada como problemática, pois toda gestão possui custos administrativos legítimos. A ausência de uma definição clara desses custos pode levar a desclassificações arbitrárias e à camuflagem de despesas, prejudicando a transparência.

Outro ponto do edital destacado pelo MPC-ES é que o critério técnico representa 70% e o critério de preço apenas 30% na avaliação das propostas (cláusula 7.23). Na avaliação ministerial, isso favorece decisões subjetivas e desestimula a busca por eficiência e economia de recursos públicos.

Também foram mencionados problemas referentes às cláusulas 6.5.1.2 e 6.6.14, que proíbem o reuso de atestados técnicos, desvalorizando a experiência e a qualidade de organizações.

Além disso, o edital não define indicadores de desempenho e metas mínimas, o que, segundo o MPC-ES, compromete fundamentalmente a capacidade de fiscalização e controle da execução do contrato de gestão. Essa omissão inverte a lógica da contratação pública, deixando a cargo das proponentes a definição dos serviços, o que inviabiliza o controle e a cobrança por resultados.

O órgão ministerial ressalta a existência de jurisprudência, inclusive do próprio TCE-ES, de que os contratos de gestão devem conter “indicadores de desempenho adequados para a mensuração do desempenho da concessionária, de modo a amparar a aferição do cumprimento das metas estipuladas no contrato, assim como o respectivo pagamento”.

Pedidos

Diante das irregularidades mencionadas, o Ministério Público de Contas pede a concessão de medida cautelar com fundamento na existência de vícios do edital e na nulidade das motivações da terceirização, como a ausência de deliberação do Conselho Municipal de Saúde, o desvio de finalidade administrativa e as cláusulas anticompetitivas. O órgão ministerial pede ao Tribunal para suspender imediatamente o Edital 001/2025 e todos atos dele decorrentes, determinar a abstenção de novas publicações de editais com o intuito de contratar Organizações Sociais ou terceirizar a gestão da UPA Serra Sede, além da adoção imediata de todas as providências para cumprimento da medida cautelar, sob a pena de aplicação de multa diária.

O MPC-ES enfatiza que a medida cautelar busca preservar a administração pública de danos maiores, como a revogação de um contrato já firmado, que poderia gerar a interrupção de serviços essenciais e instabilidade institucional. O perigo da demora é demonstrado pela iminência da contratação de entidade privada para ficar à frente da gestão de um serviço público essencial sem controle social prévio, metas contratuais objetivas ou garantias de vantajosidade administrativa.

Ao final, o MPC-ES requer que a Representação seja julgada procedente, determinando à Prefeitura da Serra a anulação do processo administrativo que resultou na publicação do Edital 001/2025 e todos os atos posteriores, sem prejuízo da aplicação de sanções legais.

Confira a íntegra da Representação do MPC-ES – Processo 5806/2025
Veja a Decisão Monocrática 00623/2025-4
Acompanhe o Processo TC 5806/2025