Órgão ministerial pede que Tribunal de Contas reconheça a gravidade de duas irregularidades verificadas na Prestação de Contas Anual do município e reforme Parecer Prévio que recomendou a aprovação com ressalva das contas
O Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) apresentou recurso em que pede a reforma do Parecer Prévio 75/2025-5, emitido pela 1ª Câmara do Tribunal de Contas do Estado (TCE-ES), que recomendou a aprovação com ressalvas das contas do então prefeito de Água Doce do Norte, Abraão Lincon Elizeu, referentes ao exercício de 2023. O órgão ministerial requer o reconhecimento da gravidade de duas irregularidades para que a Corte de Contas recomende à Câmara Municipal a rejeição das contas do Executivo do município.
Duas falhas consideradas centrais pelo relatório técnico são detalhadas no recurso (Processo 7528/2025): a ausência de indicação dos programas prioritários do governo na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a inscrição de restos a pagar, tanto processados quanto não processados, sem a devida disponibilidade de caixa. Na avaliação do MPC-ES, essas irregularidades comprometem diretamente o planejamento público, a transparência fiscal e a responsabilidade na execução do orçamento municipal.
No Parecer Prévio contestado, os conselheiros que compõem a 1ª Câmara do TCE-ES entenderam que as irregularidades não tinham gravidade suficiente para motivar a reprovação das contas, pois avaliaram que elas tiveram impacto reduzido. Eles se basearam no fato de que o município manteve saldo financeiro positivo ao fim do exercício, cumpriu metas fiscais e demonstrou capacidade de pagamento adequada. O volume de restos a pagar inscritos sem cobertura financeira representou menos de 1% da despesa total executada em 2023, percentual considerado pelos conselheiros como insuficiente para causar desequilíbrio ou prejuízo relevante ao erário.
Pontos estruturais
O MPC-ES discorda desse entendimento, pois considera que as falhas atingem pontos estruturais da gestão pública e não podem ser relativizadas apenas porque os números finais do exercício são positivos. Sustenta, ainda, que a omissão da prefeitura em indicar seus programas prioritários na LDO representa uma infração grave às normas de planejamento orçamentário.
A LDO é o instrumento que orienta a elaboração do orçamento anual, define metas, limites, prioridades e diretrizes de governo. Sem a definição clara das prioridades, o município perde a base necessária para organizar a execução do orçamento e estabelecer critérios transparentes para aplicação dos recursos.
No caso de Água Doce do Norte, o Projeto de Lei 18/2022, posteriormente convertido na lei municipal que trata da LDO, continha apenas listas genéricas de programas, sem qualquer detalhamento que permitisse identificar quais seriam, de fato, as prioridades do governo. Para o MPC-ES, isso inviabiliza a adequada vinculação entre planejamento e execução, o que fere princípios constitucionais e legais que regem as finanças públicas.
Outra irregularidade apontada como grave é a inscrição de restos a pagar sem lastro financeiro. Restos a pagar são despesas empenhadas e não pagas até 31 de dezembro do exercício, sendo que os processados equivalem a gastos empenhados e liquidados, ou seja, que o Poder público já reservou o dinheiro e confirmou a entrega do bem ou prestação do serviço. Já os não processados são despesas empenhadas aguardando liquidação. Mesmo que o valor represente menos de 1% da despesa total, o órgão ministerial afirma que a irregularidade não deve ser analisada apenas pelo volume financeiro, mas pelo risco que representa para a responsabilidade fiscal.
Conforme dados analisados pela equipe técnica, no encerramento do exercício de 2023, o Poder Executivo de Água Doce do Norte inscreveu restos a pagar processados (liquidados, mas não pagos) sem suficiente disponibilidade de caixa em três fontes de recursos vinculados, totalizando R$ 1.123.077,33. Depois disso, mesmo sem suficiente disponibilidade de caixa, a prefeitura realizou a inscrição de restos a pagar não processados (apenas empenhados e a liquidar) em duas dessas fontes de recursos vinculados, “agravando a situação fiscal do município e demonstrando irresponsabilidade na gestão fiscal”.
Inscrever esse tipo de despesa sem cobertura financeira significa transferir obrigações para o ano seguinte sem a certeza de que haverá recursos para quitá-las. Para o MPC-ES, essa prática compromete a “saúde fiscal de curto prazo” e pode gerar atrasos, acúmulo de dívidas e incertezas para fornecedores e serviços públicos.
Além disso, o recurso ministerial enfatiza que a legislação de finanças públicas determina que restos a pagar só podem ser inscritos quando houver lastro financeiro suficiente. Assim, mesmo valores menores, quando registrados irregularmente, configuram infração grave à regularidade fiscal.
Desorganização fiscal
O MPC-ES acrescenta que as irregularidades não podem ser tratadas de forma isolada, uma vez que a ausência de prioridades na LDO prejudica o planejamento, enquanto a inscrição dos restos a pagar sem caixa disponível evidencia problemas na execução orçamentária. Juntas, essas falhas revelam um ciclo de desorganização fiscal que compromete a credibilidade das contas públicas.
Esse argumento ministerial reforça a manifestação da equipe técnica, a qual destacou que as irregularidades afetam a capacidade financeira imediata do município e podem interferir na continuidade de políticas públicas essenciais.
Com base nesses pontos, o Ministério Público de Contas requer ao TCE-ES que reforme o Parecer Prévio 75/2025-5, reconheça a gravidade das irregularidades e recomende à Câmara Municipal de Água Doce do Norte a rejeição das contas de 2023 do prefeito Abraão Lincon Elizeu.
O recurso foi conhecido pelo relator, conselheiro Rodrigo Coelho, que também determinou a notificação do gestor para que se manifeste sobre os fatos apresentados pelo MPC-ES no prazo de 30 dias, a contar da publicação no Diário Oficial de Contas, ocorrida no dia 25 de novembro.
Confira o Recurso de Reconsideração do MPC-ES (Processo 7528/2025)
Acompanhe o andamento do Processo TC 7528/2025


