MPC aponta indícios de irregularidades em indenizações pagas pelo Gabinete do Delegado-geral da Polícia Civil
Publicação em 3 de novembro de 2021

Indícios de irregularidades foram verificados em pagamentos de Indenizações Suplementares de Escala Operacional (ISEO) efetuados para servidores do Gabinete do Delegado-geral da Polícia Civil do Espírito Santo. Somente em maio deste ano, indenizações dessa natureza a policiais civis somaram R$ 872.682,30

Após verificar indícios de irregularidades nos pagamentos de Indenizações Suplementares de Escala Operacional (ISEO) a servidores do Gabinete do Delegado-geral da Polícia Civil do Espírito Santo, o Ministério Público de Contas (MPC) propôs representação na qual aponta que esses pagamentos estariam sendo feitos sem cumprir as exigências da legislação, que condiciona o recebimento à efetiva prestação de serviços em atividades finalísticas da Polícia Civil, e desvio de finalidade dessas indenizações com a intenção de aumentar o subsídio de determinados servidores policiais, sem qualquer reflexo na melhoria da segurança pública.

De acordo com os dados e relatórios analisados pelo MPC, não ficou devidamente comprovado o interesse público no pagamento dessas indenizações no âmbito do Gabinete do Delegado-geral, que geraram vultosos dispêndios de recursos públicos, em razão da ausência e deficiência de informações comprobatórias das operações e dos resultados alcançados, sendo que as indenizações não estão atreladas à redução do índice de criminalidade e nem à efetividade da resolução das infrações praticadas.

A representação também aponta usurpação de competência da Polícia Militar nessas operações, já que muitas delas tinham como objetivo “prevenção e repressão de ilícitos penais” e a realização de “atividades de ronda”. Além disso, aponta desvio da finalidade da ISEO, prevista na Lei Complementar 662/2012, criada para os militares, policiais civis e inspetores penitenciários do Estado do Espírito Santo para suprir despesas presumivelmente suportadas em virtude de convocações extraordinárias fora de suas escalas ordinárias ou especiais de serviço, com ou sem deslocamento para outro município, incluindo gastos com viagens, alimentação e aquisição emergencial de material de pequeno valor para uso profissional.

Padronização
Inicialmente, o MPC aponta que nos relatórios referentes ao período de janeiro a março de 2020 foi observado que o objetivo da operação se manteve o mesmo – prevenção, repressão e redução do número de possíveis ilícitos penais com a realização de atividades de ronda –, sem externar os resultados das operações, mas registrando a inexistência de maiores intercorrências. Além da ausência de dados, também foram constatados equívocos na datação, sem quaisquer justificativas, nos relatórios das operações de saturação de diversas datas, gerando incertezas sobre a sua efetiva realização.

Segundo informações prestadas ao MPC pelo delegado-geral da Polícia Civil, José Darcy Santos Arruda, após orientação de padronização feita pela Superintendência de Inteligência e Ações Estratégicas, as operações passaram a ser registradas em boletins unificados com as seguintes informações: dados da operação de saturação, com boletim, data e horário; policiais participantes e viaturas utilizadas; histórico do fato resumido.

Porém, nos dados de abril a outubro de 2020, ainda não há informações sobre os recursos empenhados na operação referentes à viatura e equipe, ao período trabalhado e nem são descritos quaisquer procedimentos e ocorrências durante a operação, exceto em duas operações. A maior parte delas foi destinada a rondas ocorridas em bairros das cidades de Vitória, Vila Velha e Serra, constando alguns bairros de Cariacica e Guarapari em duas operações.

Dessa forma, enfatiza o MPC, “o que se verifica é que toda ocorrência inscrita no Boletim Unificado tem a mesma descrição vaga, genérica e sem qualquer detalhe concreto do que fora realizado nas operações, com idêntica narrativa, sem alteração quanto às abordagens, apreensões e prisões, servindo de forma precária e padronizada, somente, para validar e justificar a utilização da ISEO”.

A representação também menciona inconsistências quanto à unidade e ao horário de registro, este resultando em impedimento para calcular o correto valor da indenização, e falta de detalhamento nos relatórios e boletins unificados quanto às abordagens realizadas, armamento empregado, prisões efetuadas e demais aspectos concretos das operações realizadas.

Prática isolada
O MPC esclarece que os relatórios de outras unidades policiais, como SPE, DHPP, DENARC, DEIC, CORE e SIAE, apresentam, em sua maioria, dados relativos aos resultados da operação, o que não ocorre com os relatórios e boletins unificados das operações do Gabinete do Delegado-geral da Polícia Civil, em que se verificou a falta e precariedade das informações dispostas nos documentos, “parecendo ser uma prática comum e isolada desta unidade”, o que motivou o órgão ministerial a pedir uma investigação criteriosa por parte do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) a respeito.

Outro fato mencionado na representação é que, nas operações de saturação realizadas pelo Gabinete do Delegado-geral, constatou-se o uso de dois veículos para equipes compostas por oito a nove policiais civis, “o que se mostra incompatível com a quantidade possível de acomodação e deslocamento, por falta de espaço e até risco no tráfego”.

Despesas
Informações obtidas pelo MPC junto à Secretaria de Estado de Gestão e Recursos Humanos (Seger) sobre as despesas mensais e anuais dessa indenização para policiais civis demonstram que houve crescimento significativo da utilização da ISEO nos anos de 2020 e 2021, sendo que somente no mês de maio de 2021 foram destinados R$ 872.682,30 para esse fim.

O gasto mensal médio ficou em torno de R$ 210 mil, de abril a novembro de 2020. Desde dezembro do ano passado, os valores aumentaram, sendo que o custo com essas indenizações mais que dobraram em abril de 2021 (R$ 593.640,13) e junho último (R$ 482.570,65). O valor pago em ISEO no primeiro semestre de 2021 (R$ 2.729.812,09) já ultrapassa o montante total utilizado com essas indenizações em 2020, quando foram gastos R$ 2,4 milhões.

Resultados ínfimos
Apesar das despesas significativas com essas indenizações, o MPC salienta que das 39 operações de saturação ocorridas nos meses de janeiro e outubro de 2020 foram abordados quatro indivíduos e os passageiros de um veículo, sem nenhum ilícito observado, e realizadas buscas para tentar localizar o autor do furto de uma mochila, também sem êxito.

Na avaliação do órgão ministerial, “os ínfimos resultados descritos nas operações desenvolvidas pelo Gabinete do Delegado-geral demonstram a malversação dos recursos destinados ao pagamento de ISEO, pois em nada contribuíram para a melhoria dos índices de segurança no Estado”.

Isso porque, o índice de resolução de Inquérito Policial de homicídios dolosos no Estado do Espírito Santo nos anos de 2019, 2020 e 2021 (apenas o mês de janeiro) foi de 45%, 26% e 15%, respectivamente. Aliado ao baixo índice de resolução de inquérito, as estatísticas criminais da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) demonstram aumento nos índices de criminalidade nesse período, tendo sido praticados 770 crimes letais intencionais (homicídio, latrocínio, lesão com morte) até agosto de 2021; 1.014, em 2019, e 1.162, em 2020. O número de homicídios de mulheres e homicídios dolosos também aumentou, passando de 89 a 101, e de 978 a 1.103, respectivamente em 2019 e 2020. Até agosto deste, foram 71 mulheres mortas e 734 homicídios dolosos.

O MPC conclui que as documentações apresentadas pelo delegado-geral da Polícia Civil demonstram um desvirtuamento da ISEO, de modo a acrescentar valores aos subsídios dos policiais civis participantes sem respaldo legal, a partir de operações realizadas com justificativas frágeis e genéricas, sem quaisquer detalhamentos do modo em que se planejou e transcorreu a operação, caracterizando policiamento ostensivo e preservação da ordem pública, atividades de competência exclusiva da Polícia Militar, conforme previsão constitucional, situação que não dá direito ao recebimento da ISEO porque não faz parte das atribuições finalísticas da Polícia Civil.

“De qualquer modo, não seria possível a utilização da ISEO nesses casos, porque não foram realizadas atividades atreladas às funções de polícia judiciária e de polícia técnica-científica, bem como a apuração das infrações penais, constituindo as rondas meras usurpações das funções da Polícia Militar”, finaliza.

Diante dos fatos narrados, o MPC pede ao Tribunal de Contas que acate a representação e determine ao atual gestor a adoção das medidas necessárias para regularizar a situação, bem como aplique multe e condene os responsáveis à devolução aos cofres públicos de eventuais valores em recursos públicos usados irregularmente.

Em decisão monocrática publicada no último dia 20, no Diário Oficial de Contas, o relator do caso, conselheiro Luiz Carlos Ciciliotti, determinou a notificação do delegado-geral da Polícia Civil para prestar informações e esclarecimentos sobre as irregularidades apontadas pelo MPC no prazo de 10 dias.

Processo 5716/2021