MPC-ES reforça que autoridades públicas não podem se autopromover em suas redes sociais a partir de ações estatais
Publicação em 22 de março de 2024

Perfis pessoais de gestores públicos nas redes sociais não podem servir de meio para divulgação de publicidade direcionada à promoção pessoal a partir de realizações custeadas com dinheiro público, ressalta parecer do MPC-ES em representação que aponta autopromoção do prefeito de Vila Velha

O Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) emitiu parecer em que alerta sobre o uso de redes sociais por autoridades públicas para promoção pessoal. Para o MPC-ES, independentemente da fonte de financiamento das publicações ou do canal de comunicação utilizado, seja o perfil pessoal do gestor ou o oficial do órgão público, há promoção pessoal quando a publicação associa o gestor a realizações custeadas com dinheiro público.

O parecer ministerial foi emitido no Processo 3203/2021, o qual trata da Representação em que o MPC-ES aponta a realização de promoção pessoal do prefeito de Vila Velha, Arnaldo Borgo Filho, pela associação de sua imagem e logomarca pessoal às ações e programas oficiais do município, por meio da utilização de perfil pessoal nas redes sociais.

O processo está no gabinete do conselheiro relator, Sérgio Aboudib, para elaboração de voto, mas ainda sem data prevista para julgamento.

Em sua manifestação, o MPC-ES destaca o seguinte:

“Todas as publicações vertidas nas contas privadas do representado se esforçam para associar os feitos da gestão do município de Vila Velha às suas qualidades individuais. Suas postagens sobre ações e feitos da Administração Pública contam com produção profissional, vêm acompanhadas do seu nome e logomarca pessoal, quase sempre de uma foto sua, e em certos casos a apropriação das ações públicas em seu proveito atinge tal ponto de voracidade que são utilizadas até mesmo logomarcas oficiais desenvolvidas para popularizar específicas ações do ente público, como no caso da campanha de vacinação contra a Covid-19.”

 

Assim, a discussão gira em torno da interpretação do artigo 37, § 1º, da Constituição Federal, o qual visa evitar que agentes públicos se autopromovam com base em feitos e ações do ente público, tais como obras e serviços públicos.

O MPC-ES argumenta que a proibição constitucional se estende às redes sociais privadas, espaço em que autoridades públicas frequentemente associam realizações governamentais aos seus símbolos, às suas imagens e aos seus nomes, como se fossem façanhas pessoais, fazendo promoção de si próprio.

De acordo com o parecer ministerial, a ideia não é estabelecer todos os limites do uso das redes sociais pelos agentes públicos, mas apenas um aspecto específico: que as publicações em seus perfis pessoais não veiculem conteúdo autopromocional a partir de ações e feitos custeados com dinheiro público, conforme proíbe a nossa Constituição.


CONTEÚDO DAS POSTAGENS X CUSTEIO

Na avaliação do órgão ministerial, é irrelevante se as publicações foram financiadas com recursos privados, pois entende que o foco não está na fonte de custeio das publicações, mas sim no conteúdo das postagens, que muitas vezes incluem logomarcas e slogans pessoais, fotos dos agentes públicos e até mesmo apropriação de símbolos oficiais com vistas à promoção pessoal.

O MPC-ES também enfatiza que o objetivo do dispositivo constitucional é garantir a impessoalidade na comunicação governamental, pouco importando a natureza do canal utilizado. Nesse sentido, o parecer reforça que não haveria qualquer exagero em reconhecer a incidência da norma às publicações veiculadas em canais particulares de agentes públicos no ambiente virtual, inclusive quando custeadas com recursos privados.

Para o MPC-ES, mesmo em seus perfis pessoais nas redes sociais, servidores públicos não devem divulgar feitos públicos como se fossem conquistas privadas.

Dessa forma, o critério fixo para a análise do respeito ou da violação à Constituição Federal seria, então, o teor da publicação (promoção pessoal da autoridade pública apoiada em atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos).

Trechos do Parecer do MPC-ES no Processo 3203/2021 de Ministério Público de Contas do Espírito Santo


DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO PODE SER RESTRINGIDO

O parecer ministerial destaca que não há negação ao direito fundamental à liberdade de expressão, e sim restrição ao seu exercício, de acordo com os limites estabelecidos pela Constituição Federal e as diretrizes dos princípios da publicidade institucional e da impessoalidade administrativa. Como qualquer outro direito, a liberdade de expressão está sujeita a limitações.

A restrição defendida na Representação do MPC-ES – proibir prefeito de repercutir feitos da Administração Pública municipal por meio de mensagens com teor autopromocional, mesmo quando veiculadas em seu perfil pessoal e custeadas com recursos privados – visa apenas limitar o direito fundamental de livre comunicação social do representado, mas não negá-lo.

Trechos do Parecer do MPC-ES no Processo 3203/2021 de Ministério Público de Contas do Espírito Santo


LIMITES NO MUNDO VIRTUAL PARA AUTORIDADES PÚBLICAS

Outro ponto destacado no parecer ministerial é a existência de limites, tanto no mundo virtual quanto no mundo real. Nesse sentido, sustenta que a promoção pessoal proibida pela Constituição Federal, ainda que ocorra no ciberespaço, deve ser fiscalizada e coibida pelo Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), principalmente considerando a ampla capacidade de propagação dos fatos no ambiente cibernético.

Como exemplo, o MPC-ES cita caso em que um secretário municipal financiou, com recursos próprios, a impressão de panfletos autopromocionais, vinculando a sua imagem aos feitos do ente público. Ao apreciar a denúncia, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a violação ao art. 37, § 1º, da Constituição Federal, o qual impõe o dever de obediência ao princípio da impessoalidade. Para o MPC-ES, esse também deveria ser a conclusão do TCE-ES acerca das postagens autopromocionais, nas redes sociais, efetivadas pelo prefeito de Vila Velha, haja vista que a norma constitucional incide não somente no espaço físico, mas também no virtual.


PARECER CONCLUI PELA EVIDENTE PROMOÇÃO PESSOAL

Após analisar as propagandas do representado em sua conta privada, o Ministério Público de Contas concluiu: “Uma coisa é certa: está mais do que evidente que o senhor Arnaldo Borgo Filho veicula em seus perfis pessoais nas redes sociais publicações sobre ações e feitos da Administração Pública do município de Vila Velha com nítido intuito de promoção pessoal”.

Segundo consta no parecer ministerial, as publicações (dotadas de alto padrão técnico profissional, por vezes com qualidade superior ao material divulgado pela Prefeitura de Vila Velha) tiveram a intenção principal de promover o próprio prefeito, que atuou como garoto-propaganda em campanha publicitária.

“Feitas todas as contas, resta evidente a escolha deliberada do representado de construir suas peças publicitárias com intuito de capitalizar para si os frutos decorrentes da atuação da Prefeitura Municipal de Vila Velha.” (Trecho do Parecer do MPC-ES no Processo 3203/2021)

Com essa Representação, o MPC-ES reforça a importância de se manter o caráter educativo, informativo e de orientação social da publicidade oficial, mesmo em um cenário cada vez mais virtual. Reprimir a autopromoção de autoridades públicas em redes sociais é fundamental para preservar os valores democráticos e garantir que as conquistas do Estado sejam divulgadas de forma objetiva e impessoal.

Confira na íntegra o Parecer do MPC-ES no Processo 3203/2021

Confira o andamento do Processo TCE-ES 3203/2021


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