MPC-ES pede o reconhecimento de vícios no sistema eletrônico usado pelo Governo do Estado para publicar atos e procedimentos administrativos, bem como a manutenção de irregularidade causada pela inabilitação indevida de empresa com proposta mais vantajosa, provocando prejuízo de R$ 1.060.800 aos cofres públicos
O Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) emitiu parecer em que aponta ofensa ao princípio da publicidade nos procedimentos administrativos do Governo do Estado, devido à falta de transparência ativa no sistema E-Docs, e inabilitação indevida de empresa com a melhor proposta em uma licitação da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), situação que gerou prejuízo aos cofres públicos no total de R$ 1.060.800,00.
O parecer foi emitido na Representação (Processo 4156/2024) de autoria do próprio órgão ministerial. Nele, o MPC-ES pede, entre outras coisas, que o processo seja convertido em tomada de contas especial e os responsáveis pelas irregularidades sejam condenados a devolver, juntos, o valor milionário do prejuízo aos cofres estaduais. Também requer que o Tribunal de Contas do Estado (TCE-ES) determine alteração no padrão de acesso para leitura do sistema E-Docs e que nos próximos procedimentos de contratação por dispensa de licitação o setor responsável não desclassifique a proposta mais vantajosa para a Administração Pública, quando for possível corrigir o erro por meio de diligência.
Irregularidades
Essa Representação do MPC-ES foi autuada como um novo processo, conforme decisão do TCE-ES, a partir da manifestação ministerial no Processo 9993/2022. Nela, foram apontados dois indicativos de irregularidades: falhas graves de transparência do sistema E-Docs do Governo do Estado; e prejuízo aos cofres públicos no montante de R$ 1,060 milhão na dispensa de licitação realizada pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) para contratação emergencial de empresa visando à prestação de serviços de remoção de pacientes em ambulância de suporte básico e avançado para atendimento à Região Metropolitana e Sul do Estado.
Sigilo não pode ser a regra
A principal irregularidade apontada pelo MPC-ES diz respeito à utilização indevida do nível “organizacional” como padrão de acesso para leitura de documentos no E-Docs. O órgão ministerial entende que essa configuração inverte a lógica constitucional, que exige a publicidade como regra, bem como a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), a qual determina que informações de interesse coletivo, entre as quais as relativas a procedimentos licitatórios e contratos, devem ser divulgadas independentemente de solicitação e em local de fácil acesso.
O Ministério Público de Contas destaca que, ao longo do processo, ficou evidente que o E-Docs, tal como hoje operado, “restringe o acesso e impõe barreiras procedimentais incompatíveis com esse regime jurídico, invertendo a ordem constitucional ao tratar a publicidade como exceção e a restrição como padrão, tal como se proteger dados sensíveis fosse mais importante que dar publicidade aos dados não sensíveis”.
Ao impor o nível “organizacional” como padrão, o sistema restringe o acesso e dificulta o trabalho de fiscalização pela sociedade (controle social). Assim, o órgão ministerial sustenta que limitações técnicas não podem se sobrepor à Constituição e que a Administração Pública tem o dever de adaptar o sistema para promover a transparência ativa, garantindo o acesso espontâneo e irrestrito à maioria das informações públicas.
Inabilitação indevida
Por causa dessa restrição do acesso, relembra o MPC-ES, a empresa indevidamente inabilitada na Dispensa 2022-570XR não obteve acesso público imediato aos autos. A empresa solicitou o credenciamento em 08/11/2022, teve o acesso reprovado, e somente após novo pedido teve acesso liberado ao sistema E-Docs, em 16/11/2022. Nessa data, o contrato com outra empresa já havia sido celebrado e publicado no Diário Oficial, o que esvaziou o contraditório útil.
O MPC-ES ressalta que essa dinâmica decorreu da classificação “organizacional” adotada no E-Docs, “que impede a leitura pública até que haja pedido, justificativa, análise e deferimento, isto é, transparência passiva”. Porém, a legislação exige transparência ativa, espontânea e proativa na situação relatada, sobretudo em matéria de contratações.
O órgão ministerial diverge da conclusão da equipe técnica do TCE-ES e refuta os argumentos apresentados pela defesa do secretário estadual de Gestão e Recursos Humanos, Marcelo Calmon, de que a adoção do nível “público” como padrão do E-Docs representaria risco de vazamento de informações sensíveis.
“Essa preocupação, embora legítima, não pode ser alçada a justificativa para a inversão da lógica constitucional da publicidade. O argumento parte de uma premissa falaciosa: de que a impossibilidade tecnológica atual autorizaria a Administração a impor sigilo como regra. […] O risco de vazamento não reside na publicidade ampla, mas sim na fragilidade dos mecanismos de gestão e classificação. O que se exige é a melhoria do sistema, e não a perpetuação de sua deficiência.” (Trecho do parecer do MPC-ES no Processo 4156/2024)
Com isso, o MPC-ES opina pela manutenção da irregularidade relativa à ofensa ao princípio da publicidade – utilização indevida do nível “organizacional” como padrão de acesso para leitura no sistema E-Docs com a condenação do responsável ao pagamento de multa individual. Além disso, requer a expedição de determinação à Secretaria de Estado de Gestão e Recursos Humanos (Seger), pasta responsável pela gestão do E-Docs, para que passe a utilizar a opção “público” como padrão de acesso para leitura em vez do nível “organizacional”, em procedimentos licitatórios e nos casos de contratação direta, promovendo o tratamento das informações sensíveis (sigilosas ou pessoais).
Prejuízo aos cofres públicos
A segunda irregularidade detalhada no parecer ministerial trata da inabilitação indevida da empresa detentora da melhor proposta para a contratação emergencial realizada pela Sesa para serviços de remoção de pacientes em ambulância. Nesse ponto, a posição do MPC-ES e da área técnica do TCE-ES convergem, pois ambos entendem que a comissão responsável pela contratação optou por um formalismo exagerado, que prevaleceu sobre a busca pela proposta mais vantajosa para a Administração Pública.
Essa conduta levou à contratação de um serviço mais caro, resultando em um prejuízo estimado em R$ 1.060.800,00 (um milhão, sessenta mil e oitocentos reais) aos cofres públicos. Para o MPC-ES, o Governo do Estado “deixou de economizar a quantia de R$ 1.060.800,00 apenas porque a comissão responsável por conduzir a contratação direta emergencial considerou errado validar o documento enviado oportunamente (num segundo momento, contudo), via e-mail (assim que foi cientificada da indispensabilidade), pela empresa que apresentou a melhor proposta. Trata-se, em última análise, de dinheiro público mal-empregado em razão de uma decisão administrativa equivocada.”
Por causa do prejuízo ao erário, o parecer ministerial pede a conversão dos autos em Tomada de Contas Especial e a condenação dos agentes da Sesa envolvidos no ato ao ressarcimento integral do valor de R$ 1.060.800,00, de forma solidária, além da aplicação de multas individuais.
O caso foi pautado na Sessão Ordinária do Plenário da última terça-feira (7). Ele foi retirado da pauta a pedido do relator, conselheiro Rodrigo Chamoun, após sustentação oral realizada por um dos responsáveis, durante a sessão, para juntada de documentos e inclusão das notas taquigráficas.
Confira na íntegra o Parecer do MPC-ES no Processo 4156/2024
Acompanhe o andamento do Processo TC 4156/2024