Ministério Público de Contas aponta irregularidades e opina pela desaprovação das contas de 2014 do governador
Publicação em 10 de julho de 2015

PCAgov2014_graficoMDEO Ministério Público de Contas (MPC) emitiu parecer pedindo o sobrestamento da prestação de contas anual (PCA) do governador José Renato Casagrande, referentes ao exercício de 2014, para complementação da análise por parte do órgão de controle interno do Poder Executivo, com a consequente interrupção do prazo para apreciação do caso no Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), bem como a reabertura da instrução processual. Caso o TCE-ES não defira o sobrestamento, o MPC se manifesta pela emissão de parecer prévio pela rejeição das contas do governador, tendo em vista a aplicação de recursos em educação em percentual inferior ao limite mínimo constitucional, entre outros indícios de irregularidades verificados.

A apreciação da prestação de contas anual do governador, sob a relatoria do conselheiro Sérgio Borges, está agendada para o dia 16 de julho, às 9 horas, em sessão especial do Plenário do TCE-ES. O MPC observa, contudo, que a prestação de contas encontra-se incompleta, por ter havido omissão por parte da Secretaria de Estado de Controle e Transparência (Secont). Conforme apurado, a Secont deixou de emitir parecer conclusivo sobre a adequação da PCA do exercício de 2014 e deixou de analisar 22 pontos de controle. São pontos que precisam ser analisados para que haja conformidade na atuação do Executivo sobre renúncia de receitas, execução de despesas vinculadas, autorização orçamentária para cobertura de déficit, abertura de créditos extraordinários, operações de crédito e despesas com pessoal, entre outros.

Além da complementação da manifestação conclusiva por parte da Secont, o órgão ministerial pede o sobrestamento do processo para o aguardo do relatório conclusivo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Empenhos, instaurada pela Assembleia Legislativa, e a reabertura da instrução processual para análise, por parte da comissão técnica do TCE-ES, de pontos já citados pelo MPC em requerimento protocolado no dia 7 de maio de 2015, antes do encaminhamento das contas de 2014 do governo do Estado ao TCE-ES.

Requerimento
No requerimento, o MPC pediu a inclusão de dois pontos na análise da PCA do governador: a transferência indevida de R$ 245.725.000,00 em recursos do Fundo Previdenciário para o Fundo Financeiro e a utilização de recursos da ordem de R$ 531.847.451,17, destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), para complementação da folha de pagamento de benefícios previdenciários a servidores inativos.

Em análise preliminar do requerimento do MPC, o qual foi autuado como “outros assuntos” sob o número 6099/2015, a área técnica concluiu “pela existência de indícios de que houve movimentação de créditos orçamentários entre os Fundos Previdenciário e Financeiro para reforço de dotações orçamentárias destinadas ao pagamento de inativos e pensionistas”.

A equipe técnica destaca que “a reserva de contingência do RPPS (regime próprio de previdência social) não pode servir como fonte para abertura de créditos adicionais, visto que o seu saldo orçamentário fixado na lei orçamentária anual encontra-se comprometido com a formação de reservas financeiras para o pagamento de benefícios futuros dos segurados do RPPS. Entretanto, constatou-se que foram anulados R$ 245.275.000,00, que correspondem a 99,92% da previsão inicial”, por meio de decretos do governador.

Apesar disso, de maneira incongruente, a área técnica se manifestou pelo indeferimento da inclusão dessa movimentação orçamentária indevida na análise da PCA do governador e propôs a remessa de pedido de fiscalização do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado do Espírito Santo (IPAJM).

Educação
Após receber a prestação de contas para análise e emissão de parecer, no final de junho, o Ministério Público de Contas requisitou documentos e informações complementares à Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) e à Secretaria de Estado de Controle e Transparência (Secont), devido à extensão, complexidade e gravidade de alguns pontos constantes da PCA.

Um dos pontos de maior gravidade foi constatado pelo MPC nas despesas do governo do Espírito Santo com manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE). Recursos na ordem de R$ 531.847.451,17 contabilizados como sendo dessas despesas – previstos no orçamento da educação – foram, na verdade, utilizados para complementação do pagamento de benefícios previdenciários a servidores públicos inativos e pensionistas ao longo do exercício de 2014.

Verificou-se que o governo fez uma manobra para que o total de despesas com MDE atingisse o limite constitucional mínimo de 25%. Sem contar os R$ 531,8 milhões, o governo aplicou apenas 23,59% em educação em 2014, contrapondo-se ao índice apresentado pelo Executivo, que foi de 29,55% das receitas de impostos e das transferências constitucionais.

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Débito histórico
Essa manobra do governo na contabilização de recursos aplicados na educação não foi praticada com exclusividade no ano de 2014. Levantamentos feitos pelo Ministério Público de Contas no portal da transparência do governo do Estado, bem como nos Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO) do 6º bimestre dos anos de 2009 a 2014, já analisados pelo TCE-ES, demonstram que, entre janeiro de 2009 e junho de 2015, deixaram de ser efetivamente aplicados na manutenção e desenvolvimento do ensino – conquanto tenham sido contabilizados como MDE – recursos que somam R$ 2.630.345.630,66.

A partir de 2011, o governo do Estado precisou considerar o valor do aporte (complementação previdenciária) no total de despesas com MDE para, só assim, atingir o limite constitucional mínimo de 25%, previsto no artigo 212 da Carta Magna. A contabilização dos recursos dessa forma foi permitida pela Resolução 238/2012 do Tribunal de Contas, que colide com toda a legislação que regula o correto uso dos recursos públicos vinculados à educação. “Com a inclusão do aporte na execução orçamentária, e considerando a Resolução TC 238/2012, o Poder Executivo pode utilizar uma mesma quantidade de recursos do Tesouro para saldar duas obrigações distintas ao mesmo tempo, realizando uma espécie de ‘milagre da multiplicação de recursos públicos’”, destaca o parecer ministerial.

O MPC ressalta a necessidade de verificação dessa manobra, pois, entre janeiro e junho de 2015, a Secretaria de Estado da Educação (Sedu) e a Faculdade de Música do Espírito Santo (Fames) já empenharam, juntas, R$ 446.564.722,00 no pagamento de benefícios previdenciários a servidores aposentados e pensionistas, recursos que estão sendo equivocadamente considerados como aplicados na manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) no exercício atual.

Gastos com pessoal
Outro ponto grave verificado pelo MPC foi a inclusão das despesas com pessoal inativo e pensionistas do Poder Judiciário, do Poder Legislativo, do Ministério Público Estadual (MPES) e do Tribunal de Contas nas despesas com pessoal do Poder Executivo, procedimento que não possui amparo na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Essa inclusão indevida, salienta o órgão ministerial, pode encobrir o descumprimento dos limites de gastos com pessoal previstos na LRF por parte do Judiciário, Legislativo, MPES e TCE-ES, dissimulando a realidade fiscal dos demais Poderes e órgãos.

Para evitar que a LRF seja descumprida, o Ministério Público de Contas pede ao TCE-ES que determine ao Poder Executivo que se abstenha de incluir o aporte dos demais Poderes e órgãos no seu demonstrativo da despesa com pessoal. Ato contínuo, a Corte de Contas deve promover o recálculo dos limites de despesa com pessoal no Legislativo, Judiciário, MPES e TCE-ES, incluindo o valor dos respectivos aportes.

Motivos para rejeição
Com base nos indícios de irregularidades verificados e que ainda carecem de esclarecimentos, o MPC entende ser necessário o sobrestamento do processo para adequada instrução e análise. Confirmando-se os indícios de irregularidades, pede que seja promovida a oitiva do governador no exercício de 2014, José Renato Casagrande, e, se necessário, do atual governador, Paulo César Hartung Gomes.

Caso o Tribunal de Contas delibere pelo não acolhimento dos pedidos de sobrestamento, o Ministério Público de Contas opina pela emissão de parecer prévio contrário à aprovação da PCA do governador Casagrande, no estado em que ela se encontra.

São citados como motivos para a rejeição: descumprimento do artigo 212 da Constituição Federal, em razão de aplicação de apenas 23,59% em educação, sendo que o mínimo é de 25%; inclusão indevida das despesas com pessoal inativo dos Poderes Legislativo e Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas nos demonstrativos dos gastos com pessoal do Poder Executivo, sem respaldo na Lei de Responsabilidade Fiscal; ausência de elementos de convicção suficientes, em virtude da apuração insuficiente sobre a realização de despesas sem prévio empenho no valor aproximado de R$ 300 milhões, e da ausência de manifestação conclusiva da Secont sobre a PCA de 2014 e sobre 22 pontos de controle.

Determinações
O MPC pede, ainda, a expedição de determinações e recomendações ao Poder Executivo para adequação dos projetos de leis orçamentárias para o exercício de 2016 e seguintes, a fim de evitar a existência de receita fictícia para cobertura de despesa inexistente, assim como manobra no uso de recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino, entre outras.

Recomendações
Também foi recomendada pelo MPC a expedição de recomendações ao Poder Judiciário, à Assembleia Legislativa, ao Ministério Público Estadual e todos os órgãos e Poderes. Entre elas, para que passem a incluir no cômputo da despesa total com pessoal, publicada nos demonstrativos da despesa com dessoal, integrantes do Relatório de Gestão Fiscal (RGF), os valores referentes a seus servidores inativos e pensionistas, inclusive a parte atinente ao aporte destinado à cobertura do déficit financeiro do RPPS, conforme prescreve o Manual de Demonstrativos Fiscais (MDF) da Secretaria do Tesouro Nacional (STN).

O Ministério Público de Contas pede, ainda, que seja encaminhada cópia integral do processo ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público Estadual para fins de acompanhamento do cumprimento do artigo 212 da Constituição Federal durante o exercício de 2015 e seguintes.

Por fim, o MPC pediu a disponibilização da comissão técnica do TCE-ES, responsável pela análise das contas de governo, na sessão especial de apreciação das contas de 2014 do governador, para prestar eventuais esclarecimentos adicionais ao Plenário da Corte.

As contas de governo devem ser apresentadas anualmente, tratando dos números globais da execução orçamentária e demonstrando a correção das ações adotadas pelo gestor durante o exercício financeiro. Após elaboração de relatório técnico pela comissão técnica do TCE-ES e emissão de parecer pelo MPC, o processo segue ao gabinete do relator, que apresentará seu voto em sessão especial, concluindo pela aprovação, aprovação com ressalva ou rejeição das contas. Esse parecer prévio do TCE-ES deverá subsidiar o julgamento das contas do governador, que é de competência da Assembleia Legislativa.

Parecer do MPC no processo TC 6016/2015 – PCA 2014 do governador
Anexo I ao parecer do MPC – Requerimento TC 6099/2015