MPC pede nulidade da decisão que negou pedidos cautelares em representação que aponta fraude na concessão da Rodosol
Publicação em 12 de dezembro de 2017

O Ministério Público de Contas (MPC) pediu a nulidade da decisão do Plenário do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) que indeferiu os pedidos cautelares do órgão ministerial na Representação TC 8336/2016, na qual aponta fraude na concessão do Sistema Rodosol, em razão da violação direta ao princípio constitucional da publicidade dos julgamentos. O MPC também sustenta a nulidade da decisão devido a erro processual, tendo em vista que a manifestação técnica que embasou a decisão plenária deixou de apreciar todos os pedidos cautelares formulados pelo MPC, conforme determina a legislação.

Para o MPC, a nulidade do julgamento decorre do fato de o presidente interino, conselheiro Domingos Taufner, e o relator do caso, conselheiro Carlos Ranna, não terem especificado na sessão os nomes dos responsáveis e das unidades gestoras, bem como não terem mencionado as irregularidades apontadas pelo MPC, os pedidos cautelares formulados e, principalmente, os fundamentos do voto do relator, “impedindo que a sociedade, principal destinatária da atividade de controle externo exercida pela Corte de Contas, pudesse conhecer a matéria que estava sendo apreciada, afrontando, portanto, o princípio da publicidade dos julgamentos em seu sentido material”.

O recurso destaca que a apreciação das medidas cautelares pleiteadas pelo MPC, durante a 37ª Sessão Plenária do TCE-ES (vídeo abaixo), ocorreu “de forma absolutamente atípica e antijurídica, em apenas 3 minutos e 12 segundos”. O órgão ministerial também cita a manifestação do relator, conselheiro Carlos Ranna, no sentido de convencer os advogados da Concessionária Rodosol a não realizarem sustentação oral no referido processo. “Para tanto, o ilustre magistrado informou aos patronos da concessionária, de forma antecipada, que estava seguindo o posicionamento da área técnica e indeferindo os pedidos cautelares formulados pelo Ministério Público de Contas, motivo pelo qual acreditava não haver necessidade de se fazer sustentação oral neste processo”, acrescenta o recurso.

O relator também não leu publicamente os fundamentos contidos no seu voto e na manifestação da área técnica, os quais motivaram a denegação dos pedidos cautelares, narra o recurso ministerial, limitando-se a dizer, tão somente, que estava “acompanhando o opinamento técnico e divergindo do entendimento do Ministério Público, e votando por indeferir a medida cautelar, eis que ausente do requisito do fumus boni iuris”. Para o MPC, saber o que exatamente está sendo apreciado nas sessões dos Tribunais de Contas constitui um direito fundamental do cidadão, sobretudo quando se trata de dano ao erário, como é o caso da Representação TC 8336/2016, cujo valor dos prejuízos apontados pode superar R$ 600 milhões. Por isso, entende ser nulo o ato de julgamento desse processo na sessão plenária do TCE-ES, devido à violação direta ao princípio da publicidade dos julgamentos.

Erro processual
Outro argumento do MPC visando anular a decisão plenária na Representação TC 8336/2016 é o erro processual decorrente do vício existente na Manifestação Técnica 1138/2017, consistente na apreciação de apenas três dos nove pedidos cautelares formulados pelo Ministério Público de Contas. O MPC enfatiza que, por ter deixado de analisar todos os pedidos ministeriais, a peça técnica carece de complementação e, sob o ponto de vista processual, “não possui aptidão jurídica para suprir a necessidade de instrução técnica preliminar do feito, exigida pelo § 2º do art. 307 do Regimento Interno desta Corte de Contas, porquanto deixara de enfrentar, individualmente, cada um dos pedidos liminares constantes da petição inicial”.

“Constata-se, ainda, que, guardadas as devidas proporções, a precariedade da Manifestação Técnica 1138/2017 contrasta com a excelência do trabalho desenvolvido pelos engenheiros desta Corte de Contas no Relatório de Auditoria RA-E 10/2014 e na Instrução Técnica Conclusiva ITC 308/2015, ambos encartados à Representação TC 5591/2013, evidenciando, de forma inquestionável, um declínio sintomático na qualidade das instruções técnicas elaboradas pela SecexEngenharia – sentido não apenas por este órgão ministerial – caracterizado por uma estranha e preocupante mudança nos critérios de designação dos auditores que apreciam pedidos cautelares afetos à área de engenharia, mormente quando se trata de matéria de elevada complexidade e relevância social, a exemplo dos processos relacionados à concessão do Sistema Rodovia do Sol (TC 5591/2013, TC 12529/2014 e TC 8336/2016), explorada por grupos econômicos marcados pelo histórico de influências indevidas junto ao poder concedente e aos órgãos de controle estaduais”, destaca o recurso do MPC.

A área técnica analisou os pedidos de afastamento imediato do cartel – formado pelos grupos Coimex, Tervap Pitanga, A. Madeira e Urbesa/Arariboia – do controle da concessão do Sistema Rodovia do Sol, suspensão imediata da cobrança de tarifas nas duas praças de pedágio (Terceira Ponte e Praia do Sol) e decretação de indisponibilidade de bens das pessoas físicas e jurídicas responsáveis.

Porém, deixou de analisar os seguintes pedidos liminares do MPC, conforme apontado no recurso: nulidade da transferência do direito de explorar a concessão do Sistema Rodosol e a intervenção da concessão, com a instauração de procedimento administrativo objetivando declarar a caducidade da concessão em face apenas da licitante vencedora Servix Engenharia S.A; indisponibilidade dos bens da SPE Concessionária Rodovia do Sol S.A; desconsideração da personalidade jurídica da SPE Concessionária Rodovia do Sol, bem como a decretação da indisponibilidade dos bens de todas as empresas que se tornaram acionistas da SPE desde a sua constituição; indisponibilidade dos bens de todas as empresas que integraram o Consórcio Construtor Rodovia do Sol e o Consórcio Executor Rodovia do Sol; arresto de bens de todas as empresas responsáveis direta ou indiretamente pela construção das obras com qualidade inferior à contratada pelo Estado e remunerada pelos usuários consumidores; e que o Poder Executivo proceda à imediata avaliação do montante necessário à adequação das obras e serviços de engenharia entregues ao Estado do Espírito Santo com qualidade inferior à contratada.

O MPC ressalta que, ao tomar conhecimento da minuta do voto do relator sobre o caso, protocolou documento alertando sobre a ausência da análise de todos os pedidos cautelares e solicitando a complementação da manifestação técnica. No entanto, referido documento não chegou a ser considerado pelo relator.

Requisitos
No recurso, o MPC reforça informação contida no documento protocolado ao relator do caso de que a SecexEngenharia, em manifestação emitida no processo TC 12529/2014 e inicialmente encartada à Representação TC 5591/2013 – auditoria no Sistema Rodosol -, reconheceu expressamente o preenchimento dos dois requisitos legais para concessão de medidas cautelares previstos no Regimento Interno do TCE-ES: o fundado receio de grave lesão ao erário (fumus boni iuris) e o risco de ineficácia da decisão de mérito (periculum in mora).

No entanto, deixou de aplicar as medidas cautelares em razão de um terceiro requisito, não previsto na legislação, o “adiantado estágio de instrução do Processo TC 5591/2013”, que na época se encontrava em fase de elaboração de nova manifestação técnica após sustentação oral. Para o MPC, percebe-se que quando a medida cautelar analisada envolve a concessão do Sistema Rodosol, as recentes instruções preliminares elaboradas pela SecexEngenharia têm apresentado soluções jurídicas inusitadas, como no caso acima citado.

Já nos autos da Representação TC 8336/2016, a SecexEngenharia emitiu manifestação sugerindo o indeferimento dos pedidos cautelares, apesar de o processo encontrar-se em fase inicial, circunstância que impõe a não aplicação do terceiro requisito concebido pelo TCE-ES para não conceder as medidas cautelares pleiteadas pelo MPC-ES. A área técnica alegou que até o momento não houve nenhuma manifestação do poder concedente contrária à transferência da concessão, o que seria essencial para a decretação de medida cautelar.

Na avaliação do MPC, mostra-se incontroverso o posicionamento do Plenário do TCE-ES, sob o ponto de vista técnico, de que se encontram presentes todos os requisitos legais que autorizam a concessão da medida cautelar de suspensão do contrato de concessão e intervenção do Estado na Concessionária Rodosol, conforme decisão anterior que seguiu manifestação da SecexEngenharia. Apesar de reconhecer os requisitos para concessão da cautelar, deixou de fazê-lo “por entender que a apreciação da medida cautelar deve ser realizada mediante cognição exauriente” no Processo TC 5591/2013.

Desde novembro deste ano, o processo TC 5591/2013 está suspenso aguardando decisão da Corte de Contas sobre o procedimento a ser adotado em razão da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconheceu o impedimento de Ranna para atuar como relator do caso, atendendo ao pedido da Concessionária Rodosol. O MPC protocolou requerimento pedindo que as outras duas representações relacionadas ao assunto (TC 8336/2016 e TC 12.529/2014) também tenham a tramitação suspensa, exceto quanto às medidas urgentes. Na sessão realizada no dia 21 de novembro (vídeo abaixo), o presidente interino do TCE-ES no julgamento desses casos, conselheiro Domingos Taufner, determinou a retirada do processo de pauta para analisar o requerimento do MPC, além do alcance da decisão do STJ.

Tutela de evidência
O MPC detalha essa situação no recurso, que trata de conteúdo semelhante ao analisado, pois entende estar presente a tutela de evidência, tendo em vista que os mesmos fatos que motivaram o órgão ministerial a pedir a concessão das medidas cautelares na Representação TC 8336/2016 “foram confirmados pelas inúmeras instruções técnicas emitidas na Representação TC 5591/2013”.

“Em outras palavras, o acervo probatório que confirma a existência de graves irregularidades na execução do Contrato de Concessão nº 01/1998, em relação às quais a Concessionária Rodovia do Sol S.A. não conseguiu opor prova capaz de gerar dúvida razoável, mostra-se mais do que suficiente para autorizar a concessão das medidas cautelares pleiteadas pelo MPC-ES com fundamento no instituto da tutela da evidência”, ressalta o órgão ministerial.

Outros fatos
O MPC chama a atenção, no recurso, para a constatação da existência de terreno baldio no endereço onde deveria funcionar a sede da Operação de Rodovias Ltda (ORL), empresa operadora da concessão da Terceira Ponte (1989 a 1998) e atualmente pertencente aos grupos econômicos Coimex, Cotia e Tervap-Pitanga. A constatação foi feita por servidor do TCE-ES designado para entregar notificação à empresa sobre a Representação TC 8336/2016. A notificação só foi realizada, segundo apuração ministerial, após diligência adicional realizada pelo servidor, mediante a qual verificou que o diretor da ORL, José Carlos Zamprogno, poderia ser encontrado nas dependências da empresa Incospal – Construções Pré-Fabricadas S.A., pertencente ao Grupo Incospal, ou Grupo Tervap-Pitanga.

Das informações levantadas pelo MPC sobre a ORL, consta ata de reunião dos sócios da empresa realizada em janeiro deste ano, na suposta sede, localizada na Rodovia BR 101, s/n, KM 281,3, Sala E, Contorno, Cariacica/ES, CEP: 29140-900 – endereço onde o servidor do TCE-ES constatou existir apenas um terreno baldio. O MPC acrescenta que, de forma incomum, diferentemente das suas sócias (Coimex Empreendimentos e Participações Ltda., Tervap Pitanga Mineração e Pavimentação Ltda. e Cotia Trading S.A.), as quais atenderam às notificações expedidas pelo TCE-ES, a empresa Operação de Rodovias Ltda não atendeu à notificação expedida pela Corte de Contas.

Para o MPC, “todas essas estranhas circunstâncias” podem indicar que a empresa ORL continue exercendo o papel de “empresa de fachada” para os grupos Coimex e Tervap-Pitanga, como ocorreu por ocasião da exploração da concessão da Terceira Ponte. Conforme a peça ministerial, a empresa ORL exerceu um papel fundamental na exploração irregular da concessão da Terceira Ponte e na fraude à licitação da concessão do Sistema Rodovia do Sol.

Sigilo em documentos
Outro fato destacado no recurso do MPC refere-se à declaração de sigilo a documentos requisitados pelo órgão ministerial à Agência Reguladora de Serviços Públicos do Espírito Santo (ARSP), relativos a contratos firmados pela Concessionária Rodosol, visando à produção de provas complementares para os processos TC 8336/2016 e TC 5591/2013.

Em maio de 2017, mesmo mês no qual o MPC requisitou os documentos, a ARSP informou ter solicitados os documentos à Concessionária Rodosol. Porém, em julho, a Agência de Regulação encaminhou novo ofício ao órgão ministerial comunicando que, “em função do sigilo que lhe fora oposto pela referida concessionária”, não poderia atender à requisição do MPC sem que a agência reguladora, entidade integrante da Administração Pública indireta, estivesse previamente amparada por parecer jurídico da Procuradoria-Geral do Estado.

O MPC destaca que, por razões desconhecidas, a ARSP não remeteu o ofício de encaminhamento da requisição ministerial à concessionária nem a respectiva resposta da concessionária e suscitou tese de que contratos celebrados com terceiros pela empresa concessionária estariam fora do alcance dos órgãos de controle. Para o MPC, “a prevalecer a exótica tese suscitada pela ARSP, de que contratos destinados ao desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como à implementação de projetos associados estariam fora do alcance dos órgãos de controle, nem mesmo o Tribunal de Contas poderia exercer sua fiscalização sobre a gestão da concessão de serviço público realizada pelos referidos grupos econômicos, hipótese que transformaria as concessionárias de serviços públicos fiscalizadas pela ARSP – Rodosol, Cesan, Petrobras Distribuidora S.A., EDP Escelsa e Empresa Luz e Força Santa Maria – em verdadeiros instrumentos de blindagem para o cometimento de atos ilícitos por parte de seus controladores”.

Pedidos
Com base nos argumentos e fatos expostos, o MPC pede, liminarmente, que o Tribunal de Contas determine à ARSP que adote imediatamente as medidas necessárias à intervenção do Estado na Concessionária Rodosol e, juntamente com o Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Espírito Santo (DER-ES), promova as medidas necessárias visando à suspensão total do Contrato de Concessão 01/1998, observando o devido processo legal.

O Ministério Público de Contas também pede medida liminar para que seja determinado à ARSP e a Rodosol que forneçam ao órgão ministerial, em prazo a ser estipulado pelo Tribunal de Contas, os documentos solicitados por meio do Ofício MPC 177/2017 – cópias digitalizadas de todos os contratos, aditivos e documentos comprobatórios dos serviços prestados à concessionária pelas seguintes empresas de consultoria: Visão Empresarial – Empreendimentos Consultoria e Participações Ltda; Marcos R do Val; Mosaico Gestão em Comunicação Ltda; Econos – Economia Aplicada aos Negócios Ltda; Baker Tilly Brasil ES Auditores Independentes Ltda; Skema Ltda; Valor Empreendimentos e Participações Ltda; De Paula Comércio e Serviços Ltda; Machado e Fassarella Engenharia e Consultoria Ltda; FMD Assessoria e Consultoria de Transportes e Trânsito Ltda.

Com o propósito de conhecer os termos e as circunstâncias em que a Concessionária Rodovia do Sol opôs sigilo de documentos à ARSP, o MPC pede que seja requisitada à agência reguladora cópia integral do processo administrativo em que conste o ofício de requisição de documentos expedido pela ARSP e a resposta fornecida pela concessionária, tendo em vista que a ARSP deixou de encaminhá-los ao MPC.

Ao final, o Ministério Público de Contas pede a nulidade da decisão plenária que negou os pedidos cautelares constantes da Representação TC 8336/2017, pela ausência de publicidade do julgamento e erro processual, além do retorno desse processo à área técnica para complementação da Manifestação Técnica 1138/2017, a fim de que haja o efetivo enfrentamento de todos os pedidos cautelares formulados pelo MPC, se possível por meio de equipe multidisciplinar. Caso não sejam acolhidos os pedidos de nulidade, o MPC requer que o Plenário reforme a decisão e conceda todos os pedidos cautelares contidos na peça inicial.

Veja o conteúdo completo do Agravo do MPC – Protocolo 18689/2017

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