MPC e unidade técnica do TCE-ES recomendam que contas de 2014 do IPAJM sejam julgadas irregulares
Publicação em 21 de novembro de 2018

Em parecer emitido na prestação de contas do exercício de 2014 do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado do Espírito Santo (IPAJM), o Ministério Público de Contas (MPC) se manifestou pela irregularidade das contas, sob responsabilidade de José Elias do Nascimento Marçal, seguindo análise feita pela área técnica do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES). Foram identificadas oito irregularidades nas contas daquele exercício, incluindo a movimentação indevida de recursos entre os fundos financeiro e previdenciário, ausência de justificativas e esclarecimentos sobre alterações significativas nas contas previdenciárias de provisões matemáticas dos fundos financeiros e previdenciário e ausência de informações sobre rendimentos e perdas nos investimentos realizados pelo IPAJM.

O parecer do MPC foi apresentado no último dia 12 e ratifica integralmente a manifestação da unidade técnica do TCE-ES no processo TC 4962/2015, que lista oito irregularidades nas contas de 2014 do IPAJM, conforme detalhamento abaixo:

1 – Utilização indevida de receita da taxa de administração – que deve ser utilizada somente na cobertura de despesas e manutenção do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) – para pagamento de perícias médicas
Durante a apuração, constatou-se que o IPAJM efetuou pagamento indevido de perícias médicas (despesas no valor de R$ 515.317,58), não legalmente autorizadas pelo plano de benefícios do RPPS prescritos pelo artigo 3º da Lei 282/2004, de modo que não poderiam ser custeados com recursos da previdência dos servidores.

Devido a essa irregularidade, a equipe técnica e o MPC sugerem a aplicação de multa ao gestor, pois ele não apresentou os valores pagos de forma segregada e discriminada, referentes aos contratos de perícias médicas e a identificação dos beneficiários que deverão promover o ressarcimento dos recursos previdenciários ao IPAJM. Foi apontada também a necessidade de abertura de procedimento administrativo para apurar o valor devido e a ser ressarcido pelos entes, referente aos pagamentos indevidos de perícias médicas.

2 – Restos a pagar não processados do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep)
Foi constatado que os Restos a Pagar Não Processados, despesas empenhadas em favor da Secretaria da Receita Federal do Brasil no valor de R$ 2.555.064,13 – representativos de 57% do total dos Restos a Pagar Não Processados do IPAJM –, deixaram de ser liquidados dentro do exercício 2014 (período de sua competência), em observância ao artigo 63 da Lei Federal nº. 4.320/64.

“Apesar da justificativa apresentada pela defesa, alegando que o IPAJM não possuía os extratos bancários das aplicações do Fundo Previdenciário com as informações do mês de dezembro/2014, registra-se que com o advento da internet, os extratos bancários poderiam ter sido acessados de forma online e impressos pelo IPAJM a qualquer tempo”, concluiu a equipe técnica.

3 – Aplicação imediata e indevida de receita de contribuição previdenciária como aporte financeiro, sendo que somente poderia ser utilizada para amortização do déficit atuarial e deveria permanecer aplicada pelo período mínimo de cinco anos
Contrariando a Portaria MPS nº. 746/2011, do Ministério da Previdência Social, a qual estabelece que os recursos repassados pelo ente a título de “Aporte para Cobertura do Déficit Atuarial do Regime Próprio de Previdência Social – RPPS” sejam controlados separadamente dos demais recursos de forma a evidenciar a vinculação para qual foram instituídos e permaneçam devidamente aplicados, no mínimo, por cinco anos, constatou-se que o montante de R$ 71.586.808,52 – receita de aporte para cobertura de déficit atuarial e que deveria estar aplicado pelo prazo mínimo de cinco anos – foi indevidamente utilizado para pagamento de despesas no próprio exercício, ou seja, utilizado como contribuição financeira (imediata) e não atuarial (futuro).

Diante da justificativa do gestor de que é “de responsabilidade do Poder Executivo a forma de contabilização do aporte financeiro recebido pelo IPAJM e que não depende do instituto a mudança do procedimento”, além de manter a irregularidade, a equipe técnica sugere a sua comunicação ao Conselho de Administração do Instituto, tendo em vista que “o RPPS como autarquia tem autonomia e reponsabilidades decorrentes de sua personalidade jurídica” e não está subordinado hierarquicamente à entidade estatal a que pertence, cabendo ao IPAJM assumir o papel de condutor da política previdenciária, atuando para que a gestão previdenciária fosse cumprida em conformidade com a legislação vigente.

4 – Ausência de utilização da fonte contábil ‘Tesouro’ distinta da fonte ‘arrecadada pelo órgão’ no orçamento da despesa do fundo financeiro
Parte da folha de pagamento dos benefícios previdenciários do Fundo Financeiro é custeada com recursos vinculados e outra parte é custeada com recursos do Tesouro (fonte 101). No entanto, o orçamento da despesa não evidencia essa realidade, visto que é utilizada somente a “fonte 0271 – Arrecadado pelo órgão”, ofendendo, assim, “o princípio da evidenciação dos fatos ligados à administração orçamentária, financeira, patrimonial e industrial, com vistas a permitir o acompanhamento, análise e interpretação dos resultados econômicos e financeiros”, como consta no artigo. 85, 89 e 90 da Lei 4320/64.

A ausência de evidenciação da segregação das despesas constitui uma manobra contábil, a qual possibilitou que recursos não fossem aplicados pelo período mínimo de cinco anos e pudessem ser utilizados para pagamento de despesas no próprio exercício, constituindo-se em aporte financeiro indevido e ilegal.

O gestor do IPAJM alegou, entre outras coisas, que o órgão não tem condições operacionais de realizar a separação das despesas em fontes distintas como determina a Lei 4.320/64. Na avaliação do corpo técnico do TCE-ES, a atuação do IPAJM foi passiva, pois, se após todos os esforços para atender as normas vigentes, foi impedido pelos entes de cumprir seu papel como gestor da política previdenciária, deveria representar ao MPC e ao TCE-ES contra aqueles que impediram a sua plena atuação. Com isso, mantém a irregularidade e sugere que seja determinada a apresentação de plano de ação, no prazo de 180 dias, para definir quais as despesas seriam custeadas pela fonte 101 e 271 na folha de pagamento.

5 – Movimentação indevida de recursos entre os fundos financeiros e previdenciário
Conforme consta no processo, foi realizada movimentação orçamentária entre os Fundos Financeiro e Previdenciário, sendo anulado no Fundo Previdenciário R$ 245.725.000,00 para, ilegalmente, suplementar o deficitário Fundo Financeiro. A manobra é vedada por normas federais, que vedam qualquer transferência de segurados, recursos (seja ele financeiro ou orçamentário) ou obrigações entre os Planos Financeiro e Previdenciário, que devem ser implementados sob rigorosa separação orçamentária, financeira e contábil de seus recursos e obrigações de suas massas.

O RPPS do Estado do Espírito Santo instituiu a segregação de massa de seus servidores, através da Lei Complementar 282/2004, separando os servidores públicos efetivos admitidos até 26 de abril de 2004 no Fundo Financeiro, e os demais servidores, admitidos através de concurso público após esta data, no Fundo Previdenciário.

Embora a defesa do gestor tenha alegado que não houve prejuízo financeiro para o Fundo Previdenciário com a movimentação orçamentária, a área técnica do TCE-ES ressalta que “a questão central não é o prejuízo, mas sim o descumprimento dos regramentos jurídicos vigentes no país e a falta de controles rígidos por parte do IPAJM para impedir a ocorrência desta prática”.

6 – Ausência completa de informações sobre alterações significativas nas contas previdenciárias de provisões matemáticas dos fundos financeiros e previdenciário
Em relação ao registro de atualização da provisão matemática previdenciária realizada no Passivo Não Circulante do Fundo Financeiro e do Fundo Previdenciário, não constam Notas Explicativas (que necessariamente são partes integrantes dos demonstrativos contábeis) que justifiquem relevantes questionamentos, tanto em relação ao Plano Financeiro quanto ao Plano Previdenciário.

Conforme a manifestação técnica acompanhada integralmente pelo MPC, faltam informações e esclarecimentos sobre diversos itens do Plano Financeiro, entre os quais o aumento de 65% na provisão de aposentadorias, pensões e outros benefícios, saindo de 28 milhões para 38 milhões e o aumento de 94% na estimativa da conta de “contribuição de inativos” no grupo de benefícios concedidos. Já em relação ao Plano Previdenciário, constatou-se ausência de esclarecimentos e justificativas para os seguintes pontos: aumento de 597% na provisão de “aposentadorias/pensões/outros benefícios”, saindo de 7 milhões e chegando a 49 milhões (no grupo de benefícios concedidos); aumento de 406% na estimativa da na conta de “contribuição de inativos” no grupo de benefícios concedidos; aumento de 41% e 48% nas contas de “provisão de benefícios a conceder”.

Em análise pela manutenção da irregularidade, a unidade técnica pontua que “as alegações do gestor, de que o IPAJM não é responsável pela elaboração das Provisões Matemáticas Previdenciárias, e de que não possui conhecimentos atuariais específicos, não afastam a responsabilidade do instituto sobre o acompanhamento de distorções nos valores calculados”. As alegações são consideradas preocupantes, “pois demonstram a incapacidade de fazer uma gestão previdenciária de qualidade técnica aceitável”.

7 – Ausência completa de informações sobre rendimentos e perdas nos investimentos realizados pelo IPAJM
De acordo com a manifestação técnica, a Conta de Investimentos de Curto e Longo Prazo no Fundo Previdenciário representa 99,73% do total de seus ativos. Entretanto, não há esclarecimentos sobre a evolução desses valores no decorrer do exercício, assim como no exercício anterior, ingressos e perdas no exercício e a composição do saldo final.

A área técnica acrescenta que houve registros de perda de investimentos na metodologia utilizada de aproximadamente 7% do total registrado no ano, sem nenhum comentário nas demonstrações contábeis, e pondera que a gestão do RPPS tem o dever de cumprir as normas gerais de contabilidade e previdenciárias e de dar transparência às informações. “No caso em questão, a falta de transparência sobre os resultados dos investimentos do IPAJM impediu aos interessados, em especial aos segurados, o acompanhamento da política de investimentos pelo RPPS”, ressalta a unidade técnica do TCE-ES. Além de manter a irregularidade, foi sugerida determinação ao gestor para que na próxima prestação de contas remeta as notas explicativas nos moldes da Norma Brasileira de Contabilidade Pública 16.6.

8 – Ausência de publicação dos estudos atuariais completos no site do IPAJM
Verificou-se que não consta no site do IPAJM a divulgação das avalições atuariais completas de nenhum exercício financeiro. Também não constam no site a divulgação das atas da reunião conjunta da eleição das escolhas das hipóteses financeiras e atuariais que deve ser realizada em conjunto com o ente, o RPPS e o atuário.

Apesar do argumento do gestor de que há diversas informações no site do IPAJM, o corpo técnico e o MPC entenderam que a irregularidade deve ser mantida e sugerem a determinação para que o gestor disponibilize, no prazo de 30 dias, as avalições atuariais completas do Fundo Financeiro e do Fundo Previdenciário, desde a edição da Lei Complementar 282/2004, que instituiu a segregação de massa dos servidores, assim como as atas das reuniões conjuntas.

Após a manifestação do Ministério Público de Contas ratificando a posição da unidade técnica do Tribunal de Contas, o processo foi remetido à relatora do caso, conselheira-substituta Márcia Jaccoud Freitas, para análise e elaboração de voto.

Veja o parecer do MPC e a Instrução Técnica Conclusiva no Processo TC 4962/2015