MPC emite parecer pela concessão de medida cautelar visando impedir divulgação de conteúdo autopromocional pelo prefeito de Vila Velha
Publicação em 13 de junho de 2022

O Ministério Público de Contas (MPC) apresentou Parecer em recurso de Agravo (Processo TCE/ES 8040/2021-9) com o objetivo de que o Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE/ES) reavalie sua decisão anterior e determine cautelarmente, com urgência, ao senhor Arnaldo Borgo Filho – enquanto estiver investido no cargo público de chefe do Executivo do município de Vila Velha – que retire, de suas contas privadas, postagens com conteúdo de promoção pessoal e que se abstenha de praticar a conduta de associar sua imagem e logomarca pessoal às ações e aos programas oficiais do município.

De acordo com o exposto no Parecer, a prática de promoção pessoal por agentes públicos é expressamente vedada pela Constituição Federal (art. 37, § 1º), a qual também prevê como postulados básicos da Administração Pública a impessoalidade e a moralidade.

O pedido cautelar de urgência do Órgão Ministerial estaria motivado na existência tanto do fundado receio de grave ofensa ao interesse público (probabilidade do direito) quanto do risco de ineficácia da decisão de mérito (perigo da demora até o fim do processo), requisitos dispostos nos incisos I e II do art. 376 do Regimento Interno do TCE/ES

A respeito do perigo da demora, o MPC destaca que “(…) enquanto estiverem disponíveis, as divulgações mantêm o potencial para alcançar mais pessoas e de produzir efeitos proporcionais ao público alcançado, estando correto o Ministério Público de Contas ao requerer a retirada das divulgações já publicadas (e porventura ainda disponíveis nas redes sociais) e também a abstenção de novas publicações, prevenindo um provável prejuízo decorrente da promoção pessoal indevida enquanto se discute o mérito; (…)”.

No que se refere à probabilidade do direito invocado, o Órgão Ministerial lembra que a Decisão Plenária agravada (17 – Decisão 03079/2021-6), ao se apoiar nas considerações da 14 – Manifestação Técnica de Cautelar 00110/2021-1 para indeferir a medida cautelar requerida (o que no direito se denomina motivação aliunde ou per relationem), teria adotado como seus os fundamentos produzidos pela Equipe Técnica e, portanto, reconhecido que “(…) o teor das postagens coletadas nos perfis sociais pessoais do representado (…) associam a figura do chefe do executivo municipal a uma ação da Prefeitura Municipal de Vila Velha, constituindo nítida promoção pessoal.”.

Além disso, o Parecer deixa claro que não há contradição entre o requerimento de concessão de medida cautelar e o pedido de informações complementares, realizado com vistas ao aprofundamento da conduta do senhor Arnaldo Borgo Filho. O nível probatório apresentado na Representação (Processo TCE/ES 3203/2021) – materializado em inúmeros documentos que demonstrariam o caráter autopromocional das postagens – já seria bastante para a aprovação das cautelas necessárias, pois demonstraria que o direito é provável. 

Desta forma, ao pretender a complementação das informações, o MPC objetivaria não outra coisa senão demonstrar “(…) que litiga de maneira séria e responsável, deixando inequívoco que persegue a tutela jurídica do Estado com o intuito de proteger o interesse público de maneira objetiva, e não de modo aleatório e frívolo”.

A apreciação do MPC também reforçou que não existe incompatibilidade lógica em requerer, simultaneamente, a concessão de medida cautelar e a instauração do Incidente de Prejulgado. Não haveria incerteza sobre a aplicação do direito, mas sim o desejo de fazer com que a posição do Órgão Ministerial seja encampada pelo TCE/ES e aplicada de forma geral e vinculante aos casos futuros e a todos os jurisdicionados indistintamente. 

O MPC ainda tece considerações acerca do argumento trazido pelo representado concernente à reforma do art. 77 da Lei Orgânica do Município de Vila Velha (LOMVV), ocorrida em dezembro de 2021, cinco meses após o protocolo da Representação em face do senhor Arnaldo Borgo Filho (Emenda nº 60, de 13 de dezembro de 2021), efetivada com o objetivo de estabelecer diferença entre a publicidade institucional e a publicidade “custeada com recursos privados do agente público e/ou servidores públicos”.

Além de registrar que a alteração legislativa representou “inegável retrocesso civilizatório”, pois desobrigou o Poder Executivo municipal de Vila Velha de  (i) “publicar e enviar ao Poder Legislativo e ao Conselho Comunitário, no máximo trinta dias após o encerramento de cada trimestre, relatório completo sobre os gastos publicitários da administração pública direta, indireta ou fundacional”; (ii) submeter “a publicidade institucional, qualquer que fosse a sua fonte de custeio (pública ou privada), à aprovação pela Câmara de Vereadores, do plano anual de publicidade” (que conteria previsão de seus custos e objetivos), o Parecer também informa que a modificação legislativa empreendida pela Câmara de Vereadores não impactaria no exame da probabilidade do direito para fins de concessão de medida cautelar, uma vez que os fundamentos da Representação proposta pelo MPC estariam ancorados, em grande medida, na Constituição Federal, a qual proíbe a veiculação de publicidade com teor de promoção pessoal, independentemente do local da sua divulgação e da sua fonte de custeio.

O que se apresenta essencial, de acordo com o MPC, mesmo depois da reforma legislativa municipal, continua sendo a “análise do conteúdo da publicidade” (se possui caráter educativo, informativo ou de orientação social), pouco importando a “fonte de custeio” (recursos públicos ou privados) e o local de veiculação (revista, outdoor, televisão, sítio eletrônico, perfis nas redes sociais). 

Veja a redação do dispositivo antes e depois da Emenda nº 60, de 13 de dezembro de 2021 à LOMVV:

Fonte: Processo TCE/ES 8040/202123 – Parecer do Ministério Público de Contas 02400/2022-7.

Assim sendo, conforme consta no Parecer Ministerial, “O problema real é apenas impedir que a dinamicidade das redes sociais venha a servir de álibi para relativizar os princípios da publicidade institucional e da impessoalidade administrativa.”.

De mais a mais, “as atividades realizadas por integrantes do Estado envolvem certos ônus, um dos quais a restrição à sua liberdade de expressão. Quem não quer ou não consegue seguir esse padrão de autocontenção têm a opção de se ligar a outros nacos da vida social, tão importantes quanto os quadros do Estado, mas sujeitos a regimes jurídicos menos restritivos das liberdades individuais. Definitivamente, o integrante do Estado não pode se conduzir pela ética patrimonialista, funcionalizando o espaço público para o atingimento de seus interesses privados.”, haja vista que “os deveres de transparência e prestação de contas à população, corolários do princípio da publicidade institucional, tampouco dependem, para o seu cumprimento, de exploração maciça em vias particulares do gestor. A publicação em mídias tradicionais, sítios eletrônicos oficiais e perfis do ente público nas redes sociais cumprem, satisfatoriamente, o dever de comunicar as ações governamentais lato sensu à população. Afinal, quem deve comunicar ações governamentais à população é a Administração, não o administrador.”

 Em resumo, “é falacioso diferenciar publicidade institucional de publicidade custeada com recursos privados pelo agente público. O argumento pressupõe que o critério definitivo é a fonte de custeio da publicidade, quando, em verdade, é o seu conteúdo. É lícito que ações de publicidade sejam custeadas pelo ente público ou pelo próprio agente público. É ilícito, porém, que a ação de publicidade veicule promoção pessoal do agente público.” 

De acordo com o MPC, à luz do que estabelece a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Município de Vila Velha, a comunicação das ações governamentais à população de Vila Velha deveria ser feita no âmbito institucional, isto é, pela própria Administração Pública, não cabendo ao gestor público, a pretexto de prestar contas ou de atuar com transparência, associar a sua imagem ou sua logomarca pessoal às realizações com dinheiro público, ainda que essa associação autopromocional não dependa de recursos públicos ou seja feita numa rede social online

Neste ponto, ainda esclarece, com base no entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 191.668, que a publicidade institucional –  obrigatoriamente detentora de caráter educativo, informativo ou de orientação social – é incompatível com a menção de nomes, símbolos ou imagens, inclusive slogans, que caracterizem promoção pessoal ou de servidores públicos.

Ressalva, contudo, que “não se trata de vedar totalmente a publicação em sítios eletrônicos particulares ou em perfis pessoais nas redes sociais”, e sim de impedir a publicidade que não respeita as balizas do art. 37, caput e § 1º, da Constituição Federal.

Quanto ao argumento da defesa no sentido de que vários agentes públicos fazem o mesmo tipo de publicidade que está sendo questionada, o Órgão Ministerial, após registrar a ausência de relação com o exame das medidas cautelares, reitera que não há “ação direcionada quedemonstra de forma clara e inconteste uma quebra eloquente dos princípios da isonomia e impessoalidade’”, como alegado pelo representado.

A eventual atuação falha de outros agentes públicos não pode servir de subterfúgio para ausência de responsabilização do senhor Arnaldo Borgo Filho. A Representação não significaria que apenas o representado estaria realizando publicações com teor de promoção pessoal em redes sociais, tampouco que o MPC não representará contra outros gestores a tempo e modo, se houver ilegalidade.

Além do mais “e no limite, se fosse verdade que todos os demais agentes políticos praticam o mesmo ilícito ora imputado ao representado/recorrido, disso não se seguiria que as faltas deste deveriam ser relevadas, mas que as de todos deveriam ser sancionadas. Não se deixa de punir um ilícito devidamente apurado porque outros não foram ou podem até não vir a sê-lo. O fato de que nem todos os crimes serão punidos não conduz à descriminalização de todas as condutas. O fato de que nem todas as improbidades serão sancionadas não conduz à liberalização de toda e qualquer prática administrativa.”.

Por fim, de forma secundária, o MPC ainda pede que a tutela provisória de evidência seja concedida, principalmente considerando que o direito suscitado é evidente, porquanto “(…) a Decisão agravada e a Manifestação Técnica de Cautelar reconheceram, explicitamente, que as publicações no perfil pessoal do representado/recorrido nas redes sociais contêm nítida promoção pessoal. E o mesmo foi reconhecido na 19 – Instrução Técnica de Recurso 00078/2022-4 (evento 19). O direito é evidente, portanto..

Logo após a manifestação do MPC, o Processo TCE/ES 8040/2021 foi encaminhado ao Relator do caso, conselheiro Rodrigo Coelho do Carmo, para elaboração de Voto.

Representação – Processo TCE/ES 03203/2021-4

Em julho de 2021, o MPC propôs Representação com pedido cautelar ao TCE/ES para determinar ao prefeito de Vila Velha que retirasse imediatamente de suas redes sociais todas as publicações associando as ações e programas realizados pelo município de Vila Velha à sua imagem e logomarca pessoal, por ofensa ao princípio constitucional da impessoalidade. Entre as postagens citadas na Representação estão diversas em que o prefeito usa a própria imagem para promover a divulgação da vacinação contra a Covid-19 no município.

Agravo – Processo TCE/ES 08040/2021-9

Em dezembro de 2021, o MPC interpôs recurso de Agravo pedindo ao TCE/ES a reforma de Decisão Plenária e a concessão de medida cautelar para que seja determinado ao atual prefeito de Vila Velha, senhor Arnaldo Borgo Filho, que se abstenha de, por meio de perfil pessoal nas redes sociais, associar sua imagem e logomarca pessoal às ações e programas do município, haja vista a possível configuração de uso indevido do cargo público para promoção pessoal.

Confira o Parecer do MPC no Agravo (Processo TCE/ES 8040/2021): 23 – Parecer do Ministério Público de Contas 02400/2022-7

Confira ainda o inteiro teor do recurso de Agravo (Processo TCE/ES 8040/2021): 02 – Petição Recurso 00319/2021-7

Confira também a Representação na íntegra (Processo TCE/ES 3203/2021): 02 – Petição Inicial 01088/2021-1

Links de acesso direto às notícias relacionadas:

MPC reitera pedido cautelar para que prefeito de Vila Velha deixe de usar perfil pessoal nas redes sociais associado às ações da prefeitura

https://www.mpc.es.gov.br/2022/01/mpc-reitera-pedido-cautelar-para-que-prefeito-de-vila-velha-se-abstenha-de-usar-perfil-pessoal-nas-redes-sociais-associado-as-acoes-da-prefeitura/

MPC aponta promoção pessoal do prefeito de Vila Velha na divulgação de ações do município em perfil pessoal nas redes sociais
https://www.mpc.es.gov.br/2021/07/mpc-aponta-promocao-pessoal-do-prefeito-de-vila-velha-na-divulgacao-de-acoes-do-municipio-em-perfil-pessoal-nas-redes-sociais/