Segundo consta na peça do Órgão Ministerial, primeiro o ex-procurador-geral de Castelo Rodrigo Rodrigues do Egypto decidiu, informalmente, quem seria o prestador dos serviços advocatícios – o escritório Daher Forattini, Sant’Ana Pedra Advogados Associados (DFSP-AA), e somente depois é que buscou conferir ares de legalidade e aparência de satisfação ao interesse público a essa escolha, mediante a abertura de procedimento formal de contratação direta, sem licitação.
Após a manifestação dos denunciados, o Ministério Público de Contas (MPC) apresentou Parecer, com contra-argumentos inéditos, para que o Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE/ES) se convença da PROCEDÊNCIA de Representação (Processo TCE/ES 3563/2020) destinada à apuração de irregularidades na contratação dos serviços advocatícios formalizados no Contrato nº. 01.06155/2017 (Processo Administrativo PMC-ES nº. 006155/2017), cujo prestador – Daher Forattini, Sant’Ana Pedra Advogados Associados (DFSP-AA), autointitulado escritório boutique, dirigido pelo advogado Anderson Sant’ana Pedra – teria sido definido antes da abertura do processo de contratação direta por inexigibilidade de licitação.
O contrato em tela foi celebrado – sem prévia licitação – entre a Prefeitura Municipal de Castelo e a Sociedade de Advogados Daher Forattini, Sant’Ana Pedra Advogados Associados (DFSP-AA), para representar e patrocinar o município de Castelo em 05 (cinco) processos judiciais movidos por diversas categorias de servidores públicos municipais em desfavor da Administração Pública: 1) Requerentes: Procuradores Municipais – Processo TJ/ES 0000936-94.2017.8.08.0013; 2) Requerentes: Fiscais e Agentes Fiscais Municipais – Processo TJ/ES 0000995-82.2017.8.08.0013; 3) Requerentes: Cirurgiões Dentistas Municipais – Processo TJ/ES 0001062-47.2017.8.08.0013; 4) Requerentes: Arquiteto, Engenheiro Civil, Engenheiro Florestal e Geólogo – Processo TJ/ES 0001128-27.2017.8.08.0013 e 5) Requerentes: Contadores – Processo TJ/ES nº 0001175-98.2017.8.08.0013.
O MPC, em sua Representação, já havia classificado como “intrigante”, a definição do contratado – o escritório de advocacia Daher Forattini, Sant’Ana Pedra Advogados Associados (DFSP-AA) – logo no Termo de Referência, o qual constitui o primeiro documento da fase de planejamento do procedimento, preparatório à contratação, portanto, em que o servidor público requisitante esclarece aquilo que realmente necessita para seu setor e define o objeto, mas em hipótese alguma identifica o contratado.
No Parecer, por sua vez, além de reforçar que o direcionamento da contratação teria sido “indiscutivelmente inoportuno”, o MPC identifica outra incoerência na sequência dos fatos “que é plenamente capaz de obscurecer ainda mais a contratação em tela e pôr em xeque a cronologia exposta pelo então Procurador-Geral de Castelo.”.
Embora o início oficial do procedimento de contratação direta tenha acontecido em 23/05/2017 e o Termo de Referência produzido em 25/05/2017, ao revisitar o Processo Administrativo PMC-ES nº. 006155/2017, o Órgão Ministerial observou OUTRA VERSÃO do Termo de Referência (a primeira), datada em 12/05/2017 e assinada pelo então procurador-geral de Castelo Rodrigo Rodrigues do Egypto, TAMBÉM COM A INDICAÇÃO DO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA Daher Forattini, Sant’Ana Pedra Advogados Associados (futuro contratado).
Ocorre que, de acordo com o senhor Rodrigo Rodrigues do Egypto, o primeiro contato com o advogado Anderson Sant’ana Pedra, representante do supracitado escritório, teria acontecido em 16/05/2017 e a sua concordância em assumir o patrocínio das causas, em 19/05/2017.
Isso evidenciaria, para o MPC, que a decisão acerca de quem prestaria os serviços advocatícios se deu não só antes da abertura do Processo Administrativo PMC-ES nº. 006155/2017 (23/05/2017), mas também antes mesmo da data em que o próprio justificante relatara como “primeiro contato” com “o escritório do Dr. Anderson Sant’ana Pedra” (16/05/2017).
“Cabe ressaltar, portanto, que, antes mesmo da abertura do procedimento administrativo de contratação, tudo já estava decidido; a instauração de um processo administrativo, a elaboração de um Termo de Referência, a indicação do supracitado escritório nesse documento (atos realizados pelo senhor Rodrigo Rodrigues do Egypto) teriam sido medidas empreendidas apenas por pura formalidade; apenas com a finalidade manter as aparências.”, afirma o MPC.
Para ilustrar didaticamente o encadeamento fático, o Órgão Ministerial produziu a seguinte sequência cronológica:
“Do exposto, fica claro que, diante da demanda a ser suprida, em primeiro lugar, o então Procurador-Geral de Castelo, sozinho, decidiu quem seria o prestador dos serviços jurídicos e, após isso, moldou um procedimento na forma mais adequada à satisfação de seus anseios, valendo-se, então, da única alternativa em que sua intuição e seu desejo acerca do contratado não apenas sobressairiam a qualquer outro interesse (inclusive o público), como também estariam assegurados de outros pretensos candidatos: a hipótese de inexigibilidade de licitação do art. 25, II, da Lei 8.666/93”, declara o MPC.
Diante da inversão da lógica da contratação (primeiro, com a escolha do contratado, e depois, com a instauração de procedimento para conferir ares de legalidade a essa escolha), a formalização da avença, em 23/05/2017, teria ocorrido com o único objetivo de oficializar a escolha feita muito antes, sendo o procedimento administrativo apenas um ornamento formal e protocolar ao ajuste, em desrespeito aos princípios da impessoalidade e da moralidade.
“Pensar de outra forma, incorrer-se-á, inelutavelmente, em pessoalidades, favoritismos, simpatias e predileções com fundamento simplesmente em fama, prestígio de imagem, ou até mesmo afeições pessoais, justamente o oposto do apregoado pelo art. 37, caput, da Constituição Federal e art. 3º, caput,57 da Lei 8.666/93.”
“(…) a inversão da ordem lógica – com a confiança em primeiro plano e os requisitos legais em segundo plano (como algo supérfluo) – revela-se injurídica, e, por si só, já se apresenta grave o suficiente para macular a contratação em comento, uma vez que indica a colocação do interesse privado à frente do interesse público.”, expõe o Parquet de Contas.
Neste ponto, ainda esclarece, com base no entendimento do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE/MG), na Representação TCE/MG nº. 1031715, que “A confiança em relação ao contratado para realização de um serviço não é fator caracterizador da inexigibilidade, incumbindo ao administrador definir os aspectos da contratação, exclusivamente, à luz do interesse público e em observância aos princípios da impessoalidade, legalidade, moralidade e publicidade”. Além disso, “A decisão pela contratação direta, por inexigibilidade ou dispensa, é posterior à fase de planejamento. A impossibilidade ou a identificação da possibilidade da contratação direta, como a melhor opção para a administração, só surge após a etapa inicial de estudos, incluindo aí a cotação e orçamentos para verificação da compatibilidade dos valores a serem contratados, daí a indispensabilidade da cotação prévia.”.
O entendimento do Órgão Ministerial na Representação estaria de acordo com o primeiro posicionamento do Núcleo de Controle Externo de Outras Fiscalizações (NOF). À luz do afirmado no processo pelo senhor Luiz Carlos Piassi, então Prefeito Municipal de Castelo, o NOF ressaltou que “o gestor admite que a contratação do Sr. Anderson Sant’ana Pedra se deu por meio de indicação” e que “‘indicação’ não é um procedimento adequado para contratação pela Administração Pública, reforçando o entendimento do representante acerca da ilegalidade do ajuste em apreço”.
O Parecer também contrasta a justificativa do senhor Luiz Carlos Piassi acerca (i) da ausência de tempo hábil para a conclusão de um processo licitatório – embora a prefeitura tenha iniciado o procedimento de contratação sem licitação somente 46 (quarenta e seis) dias após citada na primeira ação judicial – e (ii) da pouca eficiência dos servidores do município de Castelo na condução dos certames, com, de outra banda, a “extraordinária celeridade” da conclusão da referida contratação direta, sem prévia licitação, efetuada em apenas 3 (três) dias: o procedimento fora instaurado no dia 23/05/2017, terça-feira, e plenamente finalizado, com a assinatura do Contrato nº. 01.06155/2017, no dia 26/05/2017, sexta-feira, na mesma semana.
“É de surpreender que o gestor público tenha traçado sua defesa com base num suposto quadro de ineficiência generalizada de sua própria gestão (defendendo-o com veemência, como se fosse um salvo-conduto para contratar sem licitação). Seguramente, essa circunstância não legitima a contratação direta: na verdade, soa descabida quando, de outra banda, há o oposto, isto é, muita eficiência na condução da contratação direta (sem licitação)”, informa o MPC.
Além disso, o Parecer do MPC reforça a existência de outras 03 (três) irregularidades graves na contratação realizada pelo município de Castelo, em 2017:
- BURLA AO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO;
- SUBCONTRATAÇÃO INDEVIDA DOS SERVIÇOS;
- DUPLA MODALIDADE REMUNERATÓRIA A ONERAR DE FORMA INDEFINIDA E EXTRAORDINÁRIA OS COFRES PÚBLICOS.
NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA DISPENSA DE LICITAÇÃO
Apesar de compreender que o conflito entre os interesses do município Castelo e dos Procuradores Municipais que poderiam vir a defendê-lo – com relação aos 5 (cinco) processos judiciais movidos por categorias de servidores públicos municipais em desfavor da Administração Pública – teria concedido margem à opção pelo regime contratual, isto é, à terceirização de atividades advocatícias, o MPC realça que “somente excepcionalmente a opção pelo regime contratual não ensejará a realização de prévia licitação”, pois a regra para contratação de serviços advocatícios é a licitação.
O Parecer reforça que a contratação sem licitação dos serviços advocatícios só seria permitida para serviços específicos, de natureza não continuada (a necessidade precisa ser eventual, não permanente), com características singulares, a serem prestados por profissional ou empresa portadora de notória especialização.
Em sua Representação, cabe registrar, o MPC defendeu tanto a inexistência da singularidade do serviço quanto a ausência da notória especialização do contratado, bem como a natureza continuada do serviço.
AUSÊNCIA DE SINGULARIDADE DOS SERVIÇOS CONTRATADOS
Mesmo após o exercício do contraditório e da ampla defesa pelos envolvidos, na apreciação do Órgão Ministerial, não ficou caracterizada a singularidade dos serviços a serem prestados. Ao contrário, verificou-se que os serviços possuem, na verdade, traços de natureza comum e rotineira, atraindo, com isso, a regra constitucional da licitação pública.
“O que se extrai do conjunto probatório é o compulsivo desejo pessoal deste Responsável [do então Procurador-Geral] em contratar específica e diretamente o Escritório Daher Forattini, Sant`Ana Pedra Advogados Associados (DFSP-AA), em detrimento do interesse público, da licitação pública”, destaca o MPC.
O Parecer contesta a alegação do NOF, já em um segundo momento, de que os serviços advocatícios “contém natureza singular, pois não pode ser prestada pelos próprios Procuradores”. No entendimento do MPC, contudo, o NOF parte do pressuposto equivocado de que o conflito de interesses seria capaz de alterar a natureza do objeto contratado, tornando-o singular.
Para o Órgão Ministerial, o conflito de interesses autorizaria a terceirização dos serviços advocatícios, ou seja, a contratação de escritório de advocacia mediante licitação – regra fundamental do sistema jurídico vigente –, mas em hipótese alguma transformaria o serviço em singular, requisito indispensável para tornar possível a inexigibilidade de licitação, tampouco ensejaria, por si só, a contratação direta, que dependeria de outros requisitos, como a notória especialização.
Lembra o MPC que o próprio NOF, na primeira vez que se manifestou na Representação, afirmara, expressamente, que “(…) o próprio responsável admite que vários profissionais já enfrentaram a mesma situação, descaracterizando a singularidade do serviço”.
Para o MPC, “(…) a suposta ‘falta de contingente da Procuradoria-Geral’, o potencial ‘conflito de interesses’ dos Procuradores, ou ainda a identidade de propósitos entre as demandas (uma delas aviada, inclusive, pelos próprios Procuradores), argumentos ressaltados no Termo de Referência e considerados pelo Ministério Público de Contas, justificariam tão somente a terceirização dos serviços de advocacia (conforme Acórdão 00020/2014-9 – Processo TCE/ES 6948/2012) – A QUAL, EM REGRA, DEVE OCORRER MEDIANTE PRÉVIA LICITAÇÃO –, mas, em hipótese alguma, legitimariam sua contratação direta, porquanto, como se sabe, a regra do nosso sistema jurídico é a licitação, conforme assentado no art. 37, XXI, da Constituição Federal e no art. 2º da Lei 8.666/93”.
Os processos judiciais que motivaram a contratação direta, classificados como complexos, giram em torno do direito à incorporação aos vencimentos dos servidores públicos da parcela denominada adicional de produtividade, e sua possível natureza vencimental, sujeita, então, à irredutibilidade.
Na avaliação do MPC, o Termo de Referência do procedimento de contratação não demonstra de forma inequívoca e individualizada a natureza singular dos serviços, e a “(…) causa de pedir assentada em cada um dos processos judiciais referidos no Contrato nº. 01.06155/2017 não revela ‘situação diferenciada e sofisticada a exigir acentuado nível de segurança e cuidado’, ou ainda ‘situação anômala, incomum, impossível de ser enfrentada satisfatoriamente por todo e qualquer profissional especializado’” (…) revelando-se legítimo entendermos no sentido da existência e da plena capacidade de grande número de Escritórios de Advocacia e de bacharéis habilitados na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para enfrentar a matéria.”.
“Deveras, nota-se que o mercado do Estado do Espírito Santo não se resume ao Escritório eleito pelo senhor Rodrigo Rodrigues do Egypto antes mesmo da instauração do procedimento de contratação, daí porque admitida a disputa do contrato mediante o confronto ordinário de propostas.”
“Desse modo, no que tange à possibilidade de competição, reforça-se: é de fácil localização uma diversidade de escritórios de advocacia que estavam habilitados a prestar o mesmo serviço jurídico, o que demonstra, de pronto, a plena viabilidade de competição. Inequívoco constatar, neste caso, é o contrário da inviabilidade de competição; havia plena possibilidade de competição.”
Em reforço ao caráter ordinário e à ausência de singularidade das causas processuais, o Parecer lembra da protocolização de duas peças processuais (Contestação e Agravo) apenas 2 (dois) dias após a assinatura de celebração do Contrato nº. 01.06155/2017.
“Outrossim, merece ser lembrado que a protocolização de duas peças processuais (…) junto ao Processo Judicial nº. (…) no dia 29 de maio de 2017, segunda feira, ou seja, apenas 2 (dois) dias após a assinatura de celebração do Contrato nº. 01.06155/2017 – que ocorrera em 26 de maio de 2017, sexta-feira – DESABONA A SUPOSTA SINGULARIDADE DAS CAUSAS PROCESSUAIS (AMBAS COM IDÊNTICA MATÉRIA DE FUNDO) – (…) – e nos revela, em verdade, sua real singeleza, haja vista, dentre outros, o curtíssimo prazo necessário às suas confecções.”
“Assim, de acordo com a cronologia envolvendo a contratação, depreende-se que, a partir da assinatura de celebração do contrato, em 26 de maio de 2017, sexta feira, o corpo jurídico do escritório Daher Forattini, Sant`Ana Pedra Advogados Associados, composto por 2 (dois) advogados, em apenas 2 (dois) dias (sábado-27 e domingo-28), envidara esforços em (i) tomar conhecimento e compreensão dos processos, (ii) desenvolver as respectivas teses jurídicas e, no terceiro dia, 29 de maio de 2017, segunda-feira, (iii) protocolizar as duas peças processuais alegadamente “de grande complexidade”, nos moldes consignados pelo Procurador-Geral do Município de Castelo, senhor Rodrigo Rodrigues do Egypto, subscritor do Termo de Referência e que aduzira acerca da necessidade da contratação direta – geradora do não cabimento de regular procedimento licitatório.” expõe o MPC.
Assim também notou o NOF, na sua primeira manifestação, ao expor que “a produção de peças envolvendo matéria de suposta complexidade foi levada a cabo em prazo exíguo, o que contraria a própria alegação de complexidade da matéria a sustentar a contratação”.
AUSÊNCIA DE NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO DO ESCRITÓRIO CONTRATADO
No que se refere à exigência de notória especialização do contratado, o MPC demonstra “(…) que os responsáveis pela contratação não avaliaram se o escritório priorizado possuía corpo jurídico adequado ao trabalho. Com base no exposto no Termo de Referência (…), a escolha do prestador fora baseada exclusivamente no currículo do advogado Anderson Sant’Ana Pedra.”.
Além disso, segundo o Parecer, 3 (três) características do escritório de advocacia contratado, Daher Forattini, Sant`Ana Pedra Advogados Associados, colocam em xeque a razoabilidade da escolha efetuada pelo senhor Rodrigo Rodrigues do Egypto e ratificada pelo senhor Luiz Carlos Piassi: PRIMEIRO, a sua diminuta composição, haja vista que integrado por apenas 02 (dois) advogados – o senhor Anderson Sant’Ana Pedra e a senhora Talytta Daher R. Foranttini Pedra; SEGUNDO, o comprometimento do responsável técnico pelo serviço contratado, o senhor Anderson Sant’Ana Pedra, com as tarefas do cargo público de Procurador do Estado; TERCEIRO, a sua localização, pois estava, à época, sediado na capital do Estado do Espírito Santo, Vitória, que fica a uma distância de aproximadamente 138 km do município de Castelo.
“Assim sendo, não houve qualquer razoabilidade na escolha do contratado, tendo em vista sua localização, seu pequeno corpo jurídico e o comprometimento do responsável técnico com as tarefas do cargo público de Procurador do Estado”, explana o MPC.
De acordo com o Órgão Ministerial, sobressaiu a “ausência de capacidade operacional e técnica do supracitado Escritório de Advocacia – NA SUA COMPOSIÇÃO OFICIAL, COM APENAS DOIS ADVOGADOS – para representar e patrocinar os interesses do município de Castelo nos autos dos processos judiciais movidos em seu desfavor e que se encontravam tramitando perante o Juízo de Direito da 1ª Vara (Cível) da Comarca de Castelo/ES”.
O MPC também reforça que o requisito legal da notória especialização vai muito além da existência de apenas um profissional capacitado, relacionando-se ainda com a ORGANIZAÇÃO, APARELHAMENTO, EQUIPE TÉCNICA DO ESCRITÓRIO CONTRATADO, pois um único advogado especialista, pessoa física, sozinho, não conseguiria fazer tudo, nem seria capaz de induzir a notória especialização da “pessoa jurídica” da qual faz parte.
Assim, quando o Órgão Ministerial percebeu robustos indícios de subcontratação dos serviços advocatícios, mediante a utilização de advogado fora dos quadros do escritório contratado para inúmeras obrigações previstas no Contrato nº. 01.06155/2017, colocou em dúvida a notória especialização do contratado, uma vez que sobressaiu, na sua visão, A AUSÊNCIA DE EQUIPE TÉCNICA ADEQUADA À PLENA SATISFAÇÃO DO OBJETO CONTRATADO.
NATUREZA CONTÍNUA DOS SERVIÇOS JURÍDICOS
O MPC deixou inequívoco em seu Parecer que o Contrato nº. 01.06155/2017 foi celebrado com prazo de vigência de 60 (sessenta) meses, ou seja, os serviços foram encarados como de execução contínua, circunstância que descaracterizaria a singularidade dos serviços advocatícios.
SUBCONTRATAÇÃO INDEVIDA DOS SERVIÇOS JURÍDICOS
Conforme detalhado no Parecer, o escritório Daher Forattini, Sant`Ana Pedra Advogados Associados (DFSP-AA) estava obrigado, por força da lei e do próprio contrato, a garantir que seus integrantes realizassem pessoal e diretamente os serviços jurídico, vez que o “personalismo da prestação dos serviços ganha maior relevo ante situações em que a singularidade e a notória especialização parametrizaram a contratação, DETERMINANDO SUA LEGALIDADE, a ponto de, até mesmo, inviabilizar a subcontratação”. Todavia, em razão da sua reduzida composição (apenas dois advogados), precisou da ajuda de um terceiro advogado não integrante de sua estrutura, para cumprir o acordo.
Para o Órgão Ministerial, pouco importa o adjetivo que os responsáveis almejam oferecer às atividades desempenhadas por esse terceiro advogado sem qualquer vínculo com o escritório contratado (acessória ou principal, pequena ou grande, ordinária ou extraordinária), haja vista que a sua participação no cumprimento contratual foi numerosa e determinante. De acordo com o exposto, sem os serviços desse terceiro advogado o Contrato nº. 01.06155/2017 não teria sido cumprido.
A subcontratação também revelaria a incapacidade operacional e técnica do escritório contratado, na sua composição oficial, em executar a integralidade do serviço pactuado, isto é, cumprir prazos, protocolar peças, executar pesquisas, realizar diligências.
“Entende-se, portanto, que o escritório Daher Forattini, Sant`Ana Pedra Advogados Associados não possuía condições mínimas de prestar os serviços sem a ajuda de outros advogados, motivo pelo qual se valeu dos serviços de um terceiro advogado, estranho aos quadros do referido escritório, para o cumprimento do objeto contratual, pois, aliás, sem esse advogado subcontratado, não seria possível realizar o serviço.”, esclarece o MPC.
O grande número de peças assinadas por advogado estranho à formação do escritório contratado demonstraria não um fato isolado, mas conduta reiterada. Isso, segundo o Parecer, descaracterizaria a “essência da contratação direta” e revelaria a efetiva participação de terceiro na produção dos atos processuais.
Conforme explica o MPC, “a assinatura numa peça processual não é algo decorativo, supérfluo, irrelevante, porquanto representa, em verdade, quem foi o autor, quem participou na formulação daquele documento”, até mesmo porque “(…) CONSTITUI INFRAÇÃO DISCIPLINAR ‘assinar qualquer escrito destinado a processo judicial ou para fim extrajudicial que não tenha feito, ou em que não tenha colaborado’, nos termos do art. 34, V, da Lei nº. 8.906/94 (Estatuto da OAB) (…)”.
Nesse sentido, “quando o Daher Forattini, Sant`Ana Pedra Advogados Associados (DFSP-AA) passa a se utilizar dos serviços do advogado (…), o qual, por sua vez, estava associado a outro Escritório de Advocacia, para as questões versadas nos processos judiciais objeto do Contrato nº. 01.06155/2017, promove a completa desnaturação da essência da contratação direta baseada no art. 25, II, da Lei 8.666/93, pois revela a sua incapacidade operacional e técnica para executar a integralidade do serviço pactuado, isto é, cumprir prazos, protocolar peças, executar pesquisas, realizar diligências.”.
“Em sua defesa, 049 – Defesa/Justificativa 00976/2020-3 (fl. 53) e 107 – Defesa/Justificativa 00490/2021-8 (fl. 63), o senhor Luiz Carlos Piasse, ex-Prefeito Municipal de Castelo, afirma que as peças subscritas pelo advogado João Paulo Barbosa Lyra (OAB nº. 14158/ES) também continham a assinatura do advogado Anderson Sant’Ana Pedra (OAB nº. 9712/ES), responsável técnico, e que isso demonstra que este advogado, e não aquele, é que seria o feitor dos atos processuais.
Ora, com base nesse mesmo raciocínio também é legítimo afirmar o contrário (o que revela a fragilidade da argumentação exposta pelo Responsável): que as peças subscritas pelo advogado João Paulo Barbosa Lyra demonstram que fora ele o produtor dos atos processuais.”
ESCRITÓRIO BOUTIQUE
Segundo relata o senhor Anderson Sant’Ana Pedra, o seu escritório se trata de um ESCRITÓRIO BOUTIQUE, COM DOIS SÓCIOS. E assim, “por se tratar de um escritório boutique, com dois sócios, foi solicitado o auxílio de um terceiro advogado para ‘atividades acessórias’ (pesquisas, protocolização, requerer preferência de julgamento etc.)”.
Essa afirmação, realizada pelo defendente, se alinha com o denunciado na Representação, ainda que se tenha desconsiderado o trabalho executado pelo subcontratado e o qualificado como uma atividade acessória, secundária.
“Inadequado seria esquecer que “uma ‘boutique jurídica’ não se determina por uma autodeclaração” de seus donos. É o mercado que reconhece o escritório de advocacia como tal. Ademais, “os escritórios boutiques não se referem a escritórios que possuem poucos clientes ou que são pequenos – essas não são características determinantes para que um escritório de advocacia seja boutique”, mas sim àqueles que possuem estrutura e composição adequada à venda de serviços personalizados, com foco no relacionamento com sua carteira de clientes.”, demonstra o MPC.
SUBCONTRATAÇÃO OU SUBSTABELECIMENTO?
Para o NOF, na segunda manifestação, não teria sido comprovada a subcontratação, mas apenas o substabelecimento dos serviços, à semelhança do que afirmaram os envolvidos.
Por sua vez, o MPC explica que “quando a Equipe Técnica sugere que não houve subcontratação, mas substabelecimento, está a empreender uma retórica eufemista, com o único objetivo de suavizar, mitigar o indicativo de irregularidade, substituindo a palavra ou expressão própria (subcontratação) por outra mais ‘palatável’ (substabelecimento)”.
“A subcontratação, por sua vez, à semelhança do substabelecimento, também representa um meio (normalmente formalizado, quando lícita) para que outro profissional possa executar o serviço que, anteriormente, havia sido conferido ao contratado. (…) Verdade seja, se tanto a subcontratação quanto o substabelecimento expressam a mesma finalidade, só haveria um caso em que não ocorreria subcontratação, mas tão somente substabelecimento: a hipótese de não utilização do documento formal de substabelecimento pelo advogado substabelecido.”, enfatiza o MPC.
No caso concreto, contudo, para o MPC, houve não só a formalização do substabelecimento – ato formal que atesta a transferência da execução do objeto contratual –, como também a efetiva atuação de terceiro advogado nos processos objeto do Contrato nº. 01.06155/2017, produzindo peças, assinando-as, protocolando-as, realizando pesquisas etc., circunstância que afetou o “cunho personalíssimo da contratação”.
“(…) na linha intelectiva do Acórdão TCU 153/2002 – Plenário, admitir a associação do contratado com outrem, ou a hipótese de cessão ou transferência da posição da contratada dentro de um contrato administrativo, significa não só ignorar o princípio constitucional que rege as contratações da Administração Pública, consignado no inciso XXI do art. 37 de nossa Carta Magna, bem como ferir o disposto no art. 2º da Lei nº 8.666/93, senão ainda constitui motivo para a rescisão contratual, conforme prescreve o art. 78, VI, da Lei 8.666/93 (…)”.
De igual forma, o MPC também registrou que “equivoca-se o senhor Anderson Sant’Ana Pedra ao afirmar que ‘Esse terceiro profissional no exercício da atividade acessória poderia ter sido a outra sócia do Escritório’.” A esse propósito, acentua o Órgão Ministerial que “Não ‘poderia, mas, sim, ‘DEVERIA’ ter sido a outra sócia do Escritório contratado, a senhora Talytta Daher R. Forattini Pedra (OAB/ES nº. 16.120). Se fosse ela a executora dos atos processuais, nenhuma irregularidade haveria, porque essa advogada integra a ‘Boutique jurídica’. Ressalta-se, todavia, não foi isso que ocorreu na prática.”
DUPLA MODALIDADE REMUNERATÓRIA
Segundo consta no Parecer, cláusula do Contrato 01.06155/2017 prevê, não só honorários advocatícios contratuais estimados em R$ 72.705,90 – com a possibilidade de “‘posterior alteração do quantitativo’, bem como da contratação de outros serviços, ‘em virtude de eventual necessidade desencadeada nas instruções processuais’” –, senão ainda o pagamento de “honorários de êxito” equivalentes a 6,5% sobre o benefício econômico advindo do não pagamento das gratificações por produtividade que viessem a ser sustadas ou reconhecidas sua ilegitimidade pelo Poder Judiciário.
O MPC constatou, ainda, a realização 15 (quinze) aditivos contratuais, ao longo dos anos 2017, 2018 e 2019, no contrato firmado pela Prefeitura de Castelo com o escritório de advocacia Daher Forattini, Sant`Ana Pedra Advogados Associados (DFSP-AA), o que elevou, no período, o gasto do contrato para mais de R$ 190 mil.
“Fácil é ver-se, pois, não apenas um contrato de “valor estimado”, e desprovido de teto remuneratório, como também a existência de Cláusula de “êxito” (Cláusula 3.8), equivalente a 6,5% (seis e meio por cento) sobre o “benefício econômico” obtido, ou seja, pagamento condicionado ao resultado atinente ao “não pagamento das gratificações por produtividade” aos servidores municipais.”, ressalta o MPC.
Sobre tal aspecto, demonstra ilegalidade da contratação de serviço advocatício que estabeleça honorários com base em percentual do proveito econômico aferido ao final do processo (contrato de risco – ad exitum). Assim sendo, para o MPC, os contratos de êxito não são compatíveis com o regime jurídico dos contratos administrativos. A exceção repousaria nos contratos denominados de “risco puro”, os quais não gerariam ônus à Administração Pública.
Assim, diante dessa incerteza, “a realização de despesas indefinidas e futuras, dependentes da implementação de duplo evento imprevisível (a necessidade de atos processuais não taxativos e o sucesso nas lides judiciais) – cenário que, certamente, contraria os princípios e as normas reitoras da Administração Pública, e pode fazer com que o valor total gasto chegue a cifras exorbitantes.”.
“Em verdade, esses elementos contratuais afastam qualquer possibilidade de previsibilidade sobre a despesa a ser realizada pelo Município de Castelo no curso da execução do Contrato nº. 01.06155/2017, a onerar, assim, exercícios financeiros futuros, em evidente desrespeito à regra do caput do art. 57 da Lei nº. 8.666/93, o qual estabelece que a duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários.”, elucida o MPC.
Além disso, de acordo com o exposto no Parecer, “a celebração do Contrato nº. 01.06155/2017 não foi precedida de pesquisa de preços ou outra providência que demonstrasse a razoabilidade dos valores praticados. Mesmo na hipótese de inexigibilidade de licitação a Prefeitura de Castelo não poderia eximir-se da apresentação de justificativas para os valores envolvidos, demonstrando-se a compatibilidade e razoabilidade do que foi avençado”.
Em face da argumentação dos senhores Luiz Carlos Piassi e Rodrigo Rodrigues do Egypto no sentido de que o contrato foi tratado no orçamento da forma segura, justa e adequada, assim como garantiu ao erário uma economia 22 (vinte e duas) vezes maior do que o seu investimento, o MPC contra-argumenta destacando a inadequação da “utilização do verbo ‘garantir’ pelos supracitados defendentes – como se fosse certa a vitória do município de Castelo em todos os cinco processos, e assim estivesse garantido o não pagamento das gratificações por produtividade –, haja vista que o Contrato nº. 01.06155/2017 não se apresenta como uma obrigação resultado, nem poderia ser. Aliás, mister enfatizar: o desempenho da advocacia é atividade-meio, não de resultado; o contratado não se obriga à ocorrência de determinado desfecho, apenas age com a finalidade que ele aconteça.”.
“Posta assim a questão, é de se destacar que o Contrato nº. 01.06155/2017 não garantiu o supracitado retorno financeiro ao município de Castelo, o qual só poderá ser aferido com o trânsito em julgado dos processos (que não ocorreu na maioria das lides). Além da supracitada ressalva, com vistas a atestar a inviabilidade da afirmação ‘garantiu ao Erário uma economia 22 (vinte e duas) vezes maior do que o seu investimento’, ressalta-se que, na primeira instância, as sentenças foram contrárias ao município de Castelo em 3 (três) dos 5 (cinco) processos”.
“Em verdade, a indeterminação quanto ao valor a ser despendido por força do Contrato nº. 01.06155/2017 e em relação ao momento em que serão realizadas as despesas públicas trouxe robusta insegurança à Administração Municipal de Castelo e comprometeu o equilíbrio não só de exercícios financeiros futuros como também de gestões que sequer participaram da referida contratação.”, expõe o MPC.
O Parecer ainda ressalta que as alegações expostas pela defesa de que era uma “contratação que lutaria para exterminar ‘direitos’ de servidores” e que “eram processos que o Município não poderia ter a infelicidade de ser derrotado, eis que o comprometimento das políticas públicas estava anunciado se a aquelas verbas se mantivessem”, quando comparadas, por outro lado, com a “tentativa açodada de celebração de acordo em 2 (dois) dos 5 (cinco) processos judiciais”, pela atual gestão do município de Castelo.
Com base nos fatos narrados, o MPC reforça o pedido de condenação do ex-prefeito de Castelo Luiz Carlos Piassi, do ex-procurador-geral do município Rodrigo Rodrigues do Egypto, do escritório contratado, Daher Forattini, Sant’Ana Pedra Advogados Associados (DFSP-AA), do sócio do escritório e responsável técnico pela prestação dos serviços, Anderson Sant’Ana Pedra, além dos servidores responsáveis pela fiscalização do contrato, ao pagamento de multa, bem como à pena de inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança. Também pede a expedição de determinações e recomendações ao atual gestor municipal de Castelo e que o TCE/ES represente ao órgão ou Poder competente sobre as irregularidades que ultrapassem as suas atribuições.
REPRESENTAÇÃO – PROCESSO TCE/ES 3563/2020
Em julho de 2020, o MPC protocolou Representação pedindo a anulação do contrato firmado pelo município de Castelo, representado pelo senhor Luiz Carlos Piassi, então Prefeito Municipal, com a Sociedade de Advogados Daher Forattini, Sant’Ana Pedra Advogados Associados (DFSP-AA), representada pelo senhor Anderson Sant’Ana Pedra e a condenação dos responsáveis ao pagamento de multa, à pena de inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança pelo prazo de até cinco anos, assim como ao pagamento de eventual débito a ser apurado na instrução do processo.
Confira o conteúdo completo do Parecer do MPC no Processo TCE/ES 3563/2020:121 – Parecer do Ministério Público de Contas 02505/2022-2
Confira também a Representação na íntegra:002 – Petição Inicial 00695/2020-8