MPC representa à Corregedoria do TCE-ES objetivando o afastamento imediato de conselheiro condenado por fraude eleitoral
Publicação em 18 de setembro de 2023

Até que a questão seja definitivamente esclarecida em Processo Administrativo Disciplinar (PAD), MPC pede o afastamento preventivo do Conselheiro Marco Antônio da Silva do exercício de suas funções.

O Ministério Público de Contas (MPC) deu entrada em Representação (Protocolo TCEES 15746/2023-1) com pedido de afastamento preventivo do Conselheiro Substituto Marco Antônio da Silva – membro do TCE/ES responsável pela relatoria, instrução, apreciação e julgamento das contas de gestores públicos estaduais e municipais.

O QUE MOTIVOU O TRABALHO DO MPC?

A condenação do Conselheiro Substituto Marco Antônio da Silva à inelegibilidade pelo período de 8 anos pela Justiça Eleitoral (em primeiro grau), por participação direta (mentor intelectual) em esquema de fraude eleitoral à cota de gênero (lançamento de candidaturas femininas fictícias – “laranjas”), bem como o seu envolvimento político-partidário (“dirigente de fato”), por mais de uma década, em João Neiva, principalmente evidenciado nas eleições municipais de 2020, motivou a atuação do MPC.

FINALIDADE DO AFASTAMENTO PREVENTIVO

A concessão de medida liminar para o imediato afastamento preventivo teria a finalidade de evitar que o Conselheiro Substituto influencie ou interfira na apuração do caso, valendo-se da sua posição privilegiada no interior do TCE/ES, além de resguardar a legitimidade institucional da Corte de Contas perante seus jurisdicionados e cidadãos.

A Resolução nº 303/2017, que disciplina “(…) Os procedimentos de Investigação Preliminar, Sindicância e de Processo Administrativo Disciplinar em face de servidores do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (…)”,  prevê o afastamento preventivo do servidor do exercício do cargo quando houver indícios de responsabilidade, para que ele não venha a influir na apuração das irregularidades.

NECESSIDADE DE ABERTURA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD)

Além do afastamento preventivo do exercício do cargo, o Órgão Ministerial também pede a abertura imediata de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) em face do Conselheiro Substituto Marco Antônio da Silva.

A instauração de PAD, portanto, se fundamenta no fato de o Conselheiro Substituto Marco Antônio da Silva exercer franca atividade político-partidária no município de João Neiva, por mais de década, o que ficou sobejamente evidenciado nas eleições municipais de 2020, prática expressamente vedada a magistrados de contas (art. 20, VI, LOTCEES) e punível com a perda do cargo (art. 26, II, “c”, e art. 47 da LOMAN).

A atividade político-partidária realizada pelo Conselheiro Substituto Marco Antônio da Silva consiste em várias condutas transgressoras extremamente graves, a saber:

        1. Presidir, de fato, três partidos políticos durante o pleito eleitoral de 2020 em João Neiva: PSD, PSL e PODE;
        2. Distribuir em sua residência material de campanha dos candidatos filiados ao PSD, PSL e PODE, onde os candidatos iam buscá-lo;
        3. Recrutar mulheres, algumas em condições de vulnerabilidade, para se candidatarem a vereadoras no município de João Neiva, inclusive mediante promessa de pagamento caso aceitassem, com efetiva distribuição de dinheiro posterior, cujas candidaturas foram utilizadas apenas para dar aparência de cumprimento à cota de gênero;
        4. Realizar inúmeras consultas pessoais informais, de conteúdo político-partidário, feitas junto à Chefia do Cartório Eleitoral da 14ª Zona Eleitoral, com vistas a resolver assuntos inerentes à burocracia eleitoral de partidos e candidatos de seu grupo político no município de João Neiva, a exemplo de regularizar suas documentações, prática que ocorre desde o ano de 2007, segundo informa o Chefe daquela Unidade, portanto, menos de 2 (dois) anos após seu ingresso inicial nos quadros do TCE/ES no cargo de Conselheiro Substituto, que ocorrera em 20/09/2005.

[…]

Nesta sede, portanto, a fraude à cota de gênero é apenas uma das várias possíveis condutas praticadas pelo Representado que caracterizam a sua atividade político-partidária.

[…]

Ademais – e isto é fundamental reiterar –, o que interessa para fins administrativo-disciplinares do TCEES não é apenas a participação do Conselheiro Substituto Marco Antônio da Silva na fraude à cota de gênero, mas o seu envolvimento em qualquer atividade político-partidária, que, no caso, não se esgota naquele ilícito.”, detalha o MPC.

 

Segundo informa a Representação, “(…) o que se veda aos Magistrados de Contas NÃO É APENAS E TIPICAMENTE o envolvimento em fraude à cota de gênero (espécie), mas em qualquer forma de atividade político-partidária (gênero). No caso, o envolvimento do Representado na fraude à cota de gênero é apenas uma das quatro atividades político-partidárias transgressoras reveladas pela Justiça Eleitoral.”.

O afastamento do Conselheiro Substituto Marco Antônio da Silva se daria dentro do PAD pelo prazo de 90 dias, prorrogáveis por mais até 60 dias, se necessário, conforme definido na Resolução nº 303/2017.

ABUNDAM INDÍCIOS DE QUE O CONSELHEIRO SUBSTITUTO MARCO ANTÔNIO DA SILVA EXERCEU ATIVIDADE POLÍTICO-PARTIDÁRIA

Conforme explica o MPC, nas provas compartilhadas pela Justiça Eleitoral e na própria Sentença proferida pelo juízo da 14ª Zona Eleitoral de Ibiraçu, existem muitos indícios de que o Conselheiro Substituto Marco Antônio da Silva exerceu atividade político-partidária (“clandestina direção factual de três partidos políticos – PSL, PSD e PODE – e arquitetura e execução de cooptação indevida de “candidatas-laranja” para preencher fictamente a cota de gênero”).

“Deixando patente a atividade político-partidária do Conselheiro Substituto Marco Antônio da Silva, o julgador consignou que ele convidou diversas mulheres para se candidatarem ao cargo de vereadoras municipais, tendo, inclusive, oferecido dinheiro a uma delas para que aceitasse o convite:”

[…]

Consta, também, na sentença que o senhor Marco Antônio da Silva ludibriou cidadãs joão-neivenses ao inscrevê-las como vereadoras contra a própria vontade, aproveitando-se de sua fragilidade socioeconômica.

Esse ardil é ilustrado pelo julgador eleitoral com o relato de um fato triplamente grave: primeiro, a inscrição de uma candidata contra a própria vontade; segundo, o compromisso firmado com ela de apresentar a desistência da candidatura, o que, contudo, só foi realizado no dia da votação, quando já não havia mais tempo para retirar o seu nome da urna; terceiro, desistência manifestada sem a assinatura da candidata, portanto sem aptidão para obter o efeito jurídico pretendido.”, detalha o MPC.

Ainda de acordo com a Sentença, o magistrado de contas do TCE/ES “não apenas orientava sua esposa Enilda, como de fato dirigia, além do PSD, o PODE e o PSL” no Município de João Neiva (ES), utilizando, inclusive, o chefe de seu gabinete no TCE/ES, advogado e servidor ocupante de cargo exclusivamente comissionado, para patrocinar “o interesse de diversos candidatos nos processos de registro de candidatura e de prestação de contas, além da defesa nesta ação”.

O exercício de atividade político-partidária por Conselheiro é infração gravíssima, punida com a perda do cargo, e o meio adequado para apurar esse tipo de conduta é o PAD, uma vez que a Sindicância fica reservada às infrações apenadas com advertência, avalia o Órgão Ministerial.

ENTENDA O CASO: CAMPANHAS FEMININAS VIOLADAS

O Conselheiro Substituto do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE/ES) Marco Antônio da Silva foi condenado à inelegibilidade pelo período de 8 anos por participação direta em esquema de fraudes à cota de gênero nas eleições de 2020 no município de João Neiva.

Na Sentença proferida pelo juízo da 14ª Zona Eleitoral de Ibiraçu, é narrada a atuação do atual membro do TCE/ES no lançamento de candidaturas femininas fictícias (“laranjas”) pelo Partido Social Democrático (PSD), Partido Social Liberal (PSL) e Podemos (PODE) do município de João Neiva, artifício utilizado para simular o preenchimento do percentual mínimo de 30% de mulheres candidatas por cada partido.

Segundo o juízo eleitoral, testemunhas confirmaram diversas situações em que Marco Antônio da Silva atuou no cenário político de João Neiva – inclusive em desfavor da efetiva participação das mulheres na disputa eleitoral, como candidatas reais –, apesar de oficialmente não estar ligado a nenhum partido político: “Reconheço, portanto, a participação direta de Marco Antônio da Silva nas fraudes reconhecidas nestes autos.“, assinalou o magistrado na Sentença condenatória do Processo nº 0600853-86.2020.6.08.0014 – Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE.

O juiz identificou nos autos a existência de provas robustas de que o Conselheiro Substituto do TCE/ES não apenas orientava sua esposa (então presidente de direito do PSD de João Neiva e igualmente condenada à pena de inelegibilidade pelo período de 8 anos), “[…] como de fato dirigia, além do PSD, o PODE e o PSL. Conforme o juiz eleitoral da 14ª Zona Eleitoral, “Extrai-se do inquérito dez depoimentos em que Marco Antônio fora citado em situações diversas: convidando candidatas, oferecendo dinheiro para ao menos uma postulante, orientando no preenchimento de documentos.

A fraude eleitoral praticada consiste na burla ao preenchimento do percentual mínimo de 30% e do máximo de 70% para candidaturas de cada sexo (masculino ou feminino), nas eleições proporcionais – conforme exigido pelo artigo 10, parágrafo 3º, da Lei nº 9.504/1997 (lei que estabelece normas para as eleições).

A reserva mínima de 30% poderia ser aplicada a ambos os sexos, mas, na prática, converte-se em teto (percentual máximo) para as candidaturas femininas e, muitas vezes, para se atingir esse percentual, ainda são lançadas candidaturas femininas “laranjas” (fictícias).

Assim, embora a cota de gênero seja aplicável indiscriminadamente aos sexos masculino e feminino, está voltada a viabilizar e resguardar espaço mínimo às mulheres na política, minoria nos centros de poder.

Conforme explica o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), esse tipo de expediente fraudulento ocasiona grave desequilíbrio entre os candidatos em disputa, isso porque as candidaturas femininas laranjas proporcionam uma falsa sensação de competição pelo voto popular.

Nas palavras da Procuradora da República no Pará, Nathalia Mariel, em palestra ministrada no TRE-ES, “todo obstáculo que impede a plena atuação de mulheres na política é violência política de gênero”. Confira, na íntegra:

Todo obstáculo que impede a plena atuação de mulheres na política é violência política de gênero, defende uma das coordenadoras do GT sobre o assunto no MP Eleitoral

[…]

Há que se ter o entendimento de que violência política de gênero não trata somente de casos de agressões verbais ou físicas que venham a ser cometidas. Esses são os casos extremos de violência, no entanto, as agressões que ocorrem podem ser de natureza física, moral, psicológica, econômica, simbólica ou sexual.

 

 

 

Vídeo com a íntegra da palestra ocorrida no TRE-ES sobre violência política de gênero

 

 

 

 

 

LEIA TAMBÉM:

EM NOVO PARECER, MPC REFORÇA A PARCIALIDADE E O INTERESSE POLÍTICO DO CONSELHEIRO SUBSTITUTO MARCO ANTÔNIO DA SILVA (MPC/ES, publicado em 11/05/2023). Disponível em:  31/07/2023): Em novo parecer, MPC reforça a parcialidade e o interesse político do conselheiro substituto Marco Antônio da Silva

MP DE CONTAS REITERA QUE CONSELHEIRO DO TCE DEVE SER AFASTADO (Século Diário, publicado em 12/05/2023): https://www.seculodiario.com.br/justica/mp-de-contas-reitera-que-conselheiro-condenado-do-tce-deve-ser-afastado

CONSELHEIRO DO TCE CONDENADO POR FRAUDE CONTINUA A JULGAR PROCESSOS (Século Diário, publicado em 11/05/2023). Disponível em: https://www.seculodiario.com.br/justica/econheco-portanto-a-participacao-direta-de-marco-antonio-da-silva-nas-fraudes-reconhecidas-nestes-autos

MANIFESTAÇÃO DO MPC QUESTIONA IMPARCIALIDADE DE MEMBRO DO TCE/ES NO JULGAMENTO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS DE JOÃO NEIVA (MPC/ES, publicado em 11/05/2023). Disponível em:  https://www.mpc.es.gov.br/2023/05/manifestacao-do-mpc-questiona-imparcialidade-de-membro-do-tce-es-no-julgamento-da-prestacao-de-contas-de-joao-neiva/

MPC-ES QUER ANULAR DECISÃO DE CONSELHEIRO CONDENADO POR FRAUDE (ES360, publicado em 11/05/2023). Disponível em: https://es360.com.br/dia-a-dia/noticia/mpc-es-quer-anular-decisao-de-conselheiro-condenado-por-fraude/

JUIZ APONTA PARTICIPAÇÃO DIRETA DE CONSELHEIRO SUBSTITUTO DO TCE/ES EM FRAUDE ELEITORAL À COTA DE GÊNERO NAS ELEIÇÕES DE 2020 (MPC/ES, publicado em 10/05/2023). Disponível em: https://www.mpc.es.gov.br/2023/05/juiz-aponta-participacao-direta-de-conselheiro-substituto-do-tce-es-em-fraude-eleitoral-a-cota-de-genero-nas-eleicoes-de-2020/

CONSELHEIRO DO TCES É CONDENADO POR FRAUDE EM COTAS DE GÊNERO (ES360, publicado em 27/12/2022). Disponível em: https://es360.com.br/dia-a-dia/noticia/conselheiro-do-tces-e-condenado-por-fraude-em-cotas-de-genero/

ONG TRANSPARÊNCIA PEDE QUE TCES AFASTE CONSELHEIRO CONDENADO POR FRAUDE ELEITORAL (A Gazeta, publicado em 27 de dezembro de 2022). Disponível em: https://www.agazeta.com.br/es/politica/ong-transparencia-pede-que-tces-afaste-conselheiro-condenado-por-fraude-eleitoral-1222

FRAUDE NA COTA DE GÊNERO: JUSTIÇA ELEITORAL CASSA VEREADORES DE ARACRUZ E JOÃO NEIVA (A Gazeta, publicado em 02 de dezembro de 2022). Disponível em:  https://www.agazeta.com.br/es/politica/fraude-na-cota-de-genero-justica-eleitoral-cassa-vereadores-de-aracruz-e-joao-neiva-1222