Ministério Público de Contas reforça seu entendimento sobre a competência do Tribunal de Contas para atuar nesses casos, após divergências entre os votos de dois conselheiros durante o julgamento do processo em que o MPC-ES aponta conteúdo autopromocional nas publicações do prefeito de Vila Velha
Diante das divergências de posicionamento dos conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) sobre a competência ou não da Corte de Contas para atuar em casos que discutem a ocorrência de promoção pessoal de gestor público nas redes sociais, o Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) emitiu parecer-vista reforçando seu entendimento de que o TCE-ES é competente para atuar nesses casos, independentemente do espaço utilizado para a publicação e da fonte de custeio.
Ao reiterar a sua posição em parecer-vista emitido no Processo 3203/2021 — representação ministerial que aponta a prática de promoção pessoal por parte do prefeito de Vila Velha, Arnaldo Borgo Filho, pela associação de sua imagem e logomarca pessoal às ações e programas oficiais do município, por meio da utilização de perfil pessoal nas redes sociais —, o MPC-ES pediu a condenação do responsável ao pagamento de multa e propôs a instauração de Incidente de Prejulgado para resolver a questão da competência da atuação do Tribunal nesses casos.
A proposta ministerial foi apresentada depois de votos divergentes apresentados pelos conselheiros Sérgio Aboudib e Rodrigo Coelho no caso e tem como objetivo definir se o TCE-ES é competente para examinar fiscalizações que tratam de possíveis violações do art. 37, § 1º, da Constituição Federal, e do art. 32, § 1º, da Constituição do Espírito Santo, tendo em vista o local da publicação, seja sites ou perfis nas redes sociais (oficial, privado de terceiros, ou pessoais da autoridade ou servidor público) e a fonte de custeio (recursos públicos ou privados).
O MPC-ES busca, com isso, enfatizar a importância de garantir que as publicações em redes sociais privadas de autoridades públicas respeitem os princípios constitucionais. O objetivo não é proibir o uso dessas plataformas, mas impedir que canais particulares veiculem conteúdo autopromocional a partir de ações e feitos de ente público.
Conselheiros divergem sobre competência do TCE-ES
Relator do caso, Aboudib votou pelo não conhecimento da representação. Ele alega que a Corte de Contas só poderia fiscalizar eventuais violações ao dispositivo constitucional que veda promoção pessoal de autoridades e servidores públicos “se as publicações fossem custeadas com recursos públicos, o que não teria sido demonstrado no caso concreto”.
O voto do relator seguiu integralmente o entendimento do Núcleo de Controle Externo de Fiscalização de Pessoal e Previdência (NPPREV) e concluiu que “nem a inicial, nem as diligências realizadas trouxeram qualquer indício da realização de despesa pública ou a participação de agentes públicos ou privados, custeados pelo Poder Público, nas referidas publicações”. Contudo, o MPC-ES alerta no parecer-vista que não foi realizada nenhuma diligência com o objetivo específico de apurar a fonte de custeio das publicações autopromocionais nos perfis pessoais do representado.
Aboudib ainda acolheu as justificativas apresentadas pelo prefeito, o qual argumentou que “suas postagens constituem exercício regular do direito de informação, transparência e dever de prestar contas do gestor público” e citou como exemplo que a Procuradoria-Geral de Justiça reconheceu esse argumento em procedimento interno (GAMPES 2021.0013.4496-47).
Já o conselheiro Rodrigo Coelho, em voto proferido após pedido de vista, reconheceu a legitimidade do Tribunal de Contas para atuar no caso, mesmo que não haja comprovação da utilização de “verbas públicas para a publicação em si”, por entender que “o caráter institucional passou a ser utilizado para proveito pessoal e não de interesse público”. Ou seja, considera que a Corte de Contas é competente para examinar a situação sempre que há aplicação de recursos públicos na ação ou feito estatal com base no qual a autoridade ou servidor público busca se autopromover.
Promoção pessoal caracterizada
Em seu voto, Coelho destacou que o prefeito de Vila Velha divulga feitos realizados pela prefeitura “como uma ação pessoal, fazendo uso inclusive de uma logomarca e frases de efeito, como ‘olha o que o prefeito fez’” e concluiu que “diferentes postagens caracterizaram o que descrevemos até então como promoção pessoal”.
Com isso, o conselheiro rejeitou as justificativas apresentadas pelo representado, as quais considerou que “não foram suficientes para afastar a irregularidade constatada, razão na qual, através dos próprios documentos juntados aos autos tiveram suas responsabilidades atestadas, sobretudo por permitirem a utilização das redes sociais para promoção pessoal de agente político, o que consubstancia grave violação às normas legais”.
O ponto de divergência do voto do conselheiro Rodrigo Coelho em relação ao parecer ministerial é quanto à aplicação de sanção ao prefeito. Enquanto o MPC-ES defende que ele seja condenado ao pagamento de multa e cita como exemplo processo julgado pelo TCE-ES em que o gestor foi condenado a pagar multa por realizar publicação autopromocional, Coelho considerou que no caso de Vila Velha não houve má-fé ou conduta dolosa do gestor.
Para ele, a decisão “deve ter caráter orientador e pedagógico, emitindo um alerta aos gestores, de que há limites a serem observados e oferecendo oportunidade para correção de eventuais equívocos”.
A divergência quanto a esse ponto foi reforçada no parecer-vista do Ministério Público de Contas, que requer o conhecimento da Representação, considerando irrelevante a sede da publicação (canal oficial do ente público ou perfis pessoais da autoridade nas redes sociais) e sua fonte de custeio (recursos públicos ou privados), e destaca a necessidade de o Tribunal de Contas atuar nesses casos para evitar a proliferação de situações em que ações e feitos estatais são usados como se fossem realizações pessoais de autoridades e agentes públicos.
“Permitir a realização de publicações sobre ações e feitos estatais com o intuito de promoção pessoal, buscando deliberadamente atrair para si os frutos políticos da atuação estatal, é condescender com o personalismo patrimonialista em detrimento da impessoalidade republicana. Tolerar o investimento (quiçá vultoso) de recursos privados em publicidade não oficial (jornais, revistas, publicações de outdoors, inserções em rádio, televisão e internet, inclusive nas redes sociais pessoais) com intuito autopromocional, possível apenas para o gestor materialmente abastado ou aliado de agentes economicamente poderosos, é naturalizar o abuso do poder econômico”. Trecho do parecer-vista do MPC-ES
O julgamento do Processo 3203/2021 foi iniciado no final de abril, em sessão virtual do Plenário do Tribunal de Contas. O MPC-ES pediu vista dos autos na sessão do dia 9 de maio e, após a devolução ao colegiado, o caso volta à pauta no próximo dia 6 de junho.
Confira o parecer-vista do MPC-ES no Processo 3203/2021
Confira o parecer do MPC-ES no Processo 3203/2021
Confira o andamento do Processo 3203/2021
Leia mais
22/03/2024 – MPC-ES reforça que autoridades públicas não podem se autopromover em suas redes sociais a partir de ações estatais