Ausência de reserva vagas para pessoas com deficiência é motivo de irregularidade no concurso público da PM do ES, avalia o MPC
Publicação em 23 de novembro de 2022

Concurso Público da Polícia Militar do Espírito Santo para oficiais da área da saúde é aberto em 2022 sem cumprir a exigência constitucional e legal de reservar percentual de vagas às pessoas com deficiência (PcD). Não é o primeiro caso; Tribunal de Contas já havia determinado à instituição a observância à legislação vigente antes do início da seleção, quando analisou o Edital de 2018.

 

 

 

O Ministério Público de Contas (MPC) apresentou Parecer no Processo TCE/ES  5254/2022 (Edital de Concurso Público) requerendo a irregularidade do concurso público da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo (PMES), destinado à seleção de candidatos ao posto de 1º Tenente do Quadro de Oficiais da Saúde, diante da exclusão das pessoas com deficiência (PcD), em possível desrespeito à proteção oferecida pela legislação vigente.

O referido concurso público objetiva o provimento de 57 (cinquenta e sete) vagas para as funções de médico, farmacêutico, bioquímicos, dentistas, enfermeiros e médicos veterinários da PMES.

Ao analisar o Edital de Concurso Público nº 04/2022, o MPC observou que a ausência de reserva de vagas para candidatos com deficiência indica violação aos princípios da igualdade material, da dignidade da pessoa humana, da justiça social e da ampla acessibilidade ao trabalho, assim como desprestígio à necessidade de inclusão social e cidadania.

Como o concurso público em questão possui a finalidade de selecionar pessoas para funções ligadas, preponderantemente, ao atendimento médico-hospitalar relacionada à Área de Saúde (e não para atividade ostensiva), o Órgão Ministerial não vislumbrou justificativa para a medida discriminatória da PMES.

Em defesa, a PMES utilizou como fundamento a alegação genérica de que os cargos disponibilizados no concurso em tela seriam incompatíveis com pessoas com deficiência”.

Embora a Equipe Técnica do Núcleo de Controle Externo de Registro e Atos de Pessoal (NRP) tenha sugerido, em duas oportunidades, a suspensão cautelar do edital de convocação para correções – principalmente considerando o perigo de dano irreversível aos candidatos PcD – o Conselheiro Presidente, posteriormente ratificado pela Primeira Câmara, optou por indeferir a concessão da medida cautelar pretendida.

 

RESERVA DE VAGAS: O QUE DIZ A LEI?

Conforme define o art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”. Além disso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu a obrigatoriedade da destinação de vagas em concurso público às pessoas com deficiência, nos termos do dispositivo constitucional acima citado, inclusive para a carreira policial.

 

A presunção de que nenhuma das atribuições inerentes aos cargos de natureza policial pode ser desempenhada por pessoas portadoras de uma ou outra necessidade especial é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, marcadamente assecuratório de direitos fundamentais voltados para a concretização da dignidade da pessoa humana.

 A igualdade, a liberdade e a solidariedade passam, necessariamente, pela tutela de instrumentos jurídicos que permitam o acesso de todos, devidamente habilitados, aos cargos públicos, nos termos postos na Constituição.

Também não é possível – e fere frontalmente a Constituição da República – admitir-se, abstrata e aprioristicamente, que qualquer tipo de deficiência impede o exercício das funções inerentes aos cargos postos em concurso”, afirma o STF.

 

 

Por sua vez, o art. 35, caput, da Lei Estadual 7.050/2002 prevê que “Ficam reservados ao portador de deficiência 15% dos cargos e dos empregos públicos de provimento efetivo do quadro de pessoal das administrações direta, indireta e fundacional do Estado.”. Logo em seguida, a mesma lei afirma: § 2º Até que seja cumprido o percentual previsto no caput deste artigo, os concursos públicos devem reservar à pessoa com deficiência 10% (dez por cento) dos cargos e dos empregos públicos de provimento efetivo do quadro de pessoal das administrações direta, indireta e fundacional do Estado.”. Essas determinações legais vinculariam a PMES, entidade da administração direta do Estado do Espírito Santo.

Segundo o NRP, “Não existe silêncio da lei em relação à obrigação do jurisdicionado em atender ao comando legal, ao contrário, a norma é objetiva e cristalina ao afirmar que a reserva de vagas é direcionada ao quadro de pessoal das administrações direta, indireta e fundacional do Estado, sem excetuar nenhum órgão ou instituição.”.

 

ALGO MUITO SIMILAR À LITISPENDÊNCIA

De acordo com a Corte de Contas, não seria razoável a concessão da medida cautelar diante da existência de processo em trâmite cujo objeto se assemelharia ao ora analisado (Processo TCE/ES 2122/2022-1 – Pedido de Reexame). Para o Conselheiro Presidente, Rodrigo Flávio Freire Farias Chamoun, haveria “(…) algo muito similar à litispendência (que assim só não se materializou por ter sido o órgão julgador responsável pela difusão de efeitos extraprocessuais) (…)”.

Por outro lado, o Parecer do Órgão Ministerial, além de reforçar a inexistência de litispendência (repetição de ação em curso), enfatiza a impossibilidade de utilização do referido instituto como fundamento para se alcançar o abrandamento de irregularidades que se renovam no tempo, exercício após exercício.

A demora da Corte de Contas em paralisar concurso para adequações inviabilizou a correção do edital de convocação, com vistas à inclusão de reserva de vagas para candidatos com deficiência.

Para o NRP, somente uma perícia específica poderia verificar se a limitação apresentada por cada indivíduo seria de caráter impeditivo ao exercício das atividades militares do quadro de Oficiais da Saúde. Dessa forma, a correção do Edital de Concurso Público nº 04/2022 representaria medida de respeito aos princípios da isonomia, da impessoalidade e da dignidade da pessoa humana.

 

“Isso é exatamente a proposta apresentada pela unidade técnica para pessoas com deficiência: primeiro submete-se o candidato aos exames escritos e depois a banca examinadora é quem vai avaliar se o grau e a natureza da deficiência será um impeditivo ao exercício do cargo.

Ao discricionariamente decidir o que atender e o que não atender o jurisdicionado atinge uma posição que nenhum órgão ou poder possui no ordenamento jurídico, pois espera-se que todos cumpram a lei.

[…]

  1. DA CONCLUSÃO

As alegações apresentadas pelo jurisdicionado não foram suficientes para demover a Unidade Técnica da sua convicção em obedecer a Constituição Federal, o entendimento do Supremo Tribunal Federal e as legislações federal e estadual. O NRP mantém a posição de que somente a avaliação com critérios objetivos por parte da banca examinadora poderá determinar se existe ou não incompatibilidade entre a deficiência de cada candidato e as diversas atribuições das carreiras do jurisdicionado. Ao excluir as pessoas com deficiência com argumentos genéricos sem analisar o grau e a natureza da deficiência de cada indivíduo, a Polícia Militar afrontas os princípios constitucionais do concurso público entre eles o da isonomia, da legalidade, da igualdade e da impessoalidade”, expõe o NRP.

 

 

Apesar de verificar a ilegalidade, o opinamento final da Equipe Técnica foi por considerar REGULAR os procedimentos relativos ao Edital de Concurso Público, haja vista a impossibilidade, pela passagem do tempo, de inclusão das pessoas com deficiência no certame. Fez constar somente uma nova determinação no sentido da inclusão de reserva de vagas para PcD nos futuros Concursos Públicos da PMES, à semelhança do que ocorrera no Processo TCE/ES 7493/2018, que tratou do anterior Edital de 2018.

Para o MPC, contudo, o Edital não deixar de ser IRREGULAR em virtude da impossibilidade, no caso concreto, de saneamento do defeito apontado. Segundo consta, o certame não observou a lei ao impor restrição a direito protegido constitucionalmente.

No caso, o Órgão Ministerial, baseado na proteção oferecida às Pessoas com Deficiência na Constituição Federal e nas Leis Estaduais 4.531/1991 e 7.050/2002, requereu (i) a IRREGULARIDADE do certame público; (ii) a aplicação de MULTA INDIVIDUAL aos Responsáveis; assim como (iii) a expedição de DETERMINAÇÃO ao atual gestor para evitar a repetição da ilegalidade nos futuros Concursos Públicos do jurisdicionado.

O Processo TCE/ES  5254/2022 (Edital de Concurso da PMES) se encontra no gabinete da Conselheira Márcia Jaccoud Freitas – Relatora – para elaboração de Voto.

 

PRECEDENTE

A Primeira Câmara Julgadora do Tribunal de Contas do ES, no Processo TCE/ES 7493/2018, que tratou de outro Edital de Concurso da PMES, referente ao ano 2018, em Decisão unânime (48 – Decisão 00278/2022-1), já havia enfrentado a matéria antes da publicação do presente Edital de 2022 e concluído por DETERMINAR que, nos futuros editais de Concurso Público da PMES, houvesse observância às normas constitucionais e legais acerca da exigência de reserva de vagas para Pessoas com Deficiência – PcD.

O supracitado precedente, entretanto, objeto de recurso, não impediu a mudança de comportamento dos gestores da PMES em prol do direito tutelado.

 

LEIA TAMBÉM:

CONFIRA o conteúdo completo do Parecer do MPC no Processo TCE/ES  5254/2022: 52 – Parecer do Ministério Público de Contas 04741/2022-8

ACOMPANHE o andamento do Processo TCE/ES  5254/2022 no site oficial do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE/ES): https://www.tcees.tc.br/consultas/processo/ 

CONFIRA TAMBÉM o conteúdo completo da Lei Federal nº. 12.764, de 27 de dezembro de 2012, a qual institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabelece diretrizes para sua consecução.

CONFIRA TAMBÉM o conteúdo completo das Leis Estaduais 4.531/1991 e 7.050/2002: a primeira, trata da reserva de vagas dos concursos de provas ou de provas e títulos nos órgãos da administração direta, indireta e fundacional de quaisquer dos poderes do Estado do Espírito Santo; a segunda, consolida as normas estaduais relativas às pessoas com deficiência.