MPC requer que governo do Estado apresente plano em seis meses para devolver R$ 878,1 milhões à educação
Publicação em 16 de setembro de 2021

Esse valor foi usado pelo governo do Espírito Santo para pagar inativos em 2020 e computado no cálculo do mínimo de 25% a ser aplicado em educação; despesa efetiva do governo com educação no exercício foi de 19,46%

Em parecer emitido na Prestação de Contas Anual (PCA) do governador do Estado referente ao exercício de 2020, o Ministério Público de Contas (MPC) requer a expedição de determinação para que o governo do Estado apresente, no prazo de seis meses, o plano de devolução de R$ 878,1 milhões à educação estadual. Esse valor foi utilizado para pagar aposentados e pensionistas provenientes da área em 2020, contrariando decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que declarou inconstitucional o uso de recursos da educação para bancar inativos, ao julgar procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5691, em outubro do ano passado.

O parecer ministerial também pede ao Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) a formação de um novo processo com o objetivo de apurar o valor e a forma de devolução à educação dos recursos previstos para a manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) destinados irregularmente pelo governo do Estado para pagar aposentadorias e pensões, no período entre 2004 e 2020, tendo em vista que o Supremo declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos irregulares da Resolução 238/2012 do TCE-ES que permitiam esse cômputo e, por arrastamento, do art. 17, §§ 2º e 4º, da Resolução 195/2004 da Corte de Contas, norma que a antecedeu.

Segundo consta na PCA de 2020 do governador, no gasto de R$ 3.170.529.019,59 com a manutenção e desenvolvimento do ensino, o Poder Executivo computou R$ 878.163.510,21 referente à despesa com repasse de contribuição complementar para cobertura de déficit financeiro do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) relativo aos servidores da educação. Com esse valor, o Estado teria aplicado 26,98% das receitas de impostos na MDE. Porém, o gasto efetivo com a educação no exercício de 2020, com a exclusão da despesa com aporte financeiro ao RPPS, atingiu 19,46%.

Dessa forma, o governo do Estado descumpriu, no exercício de 2020, a exigência do artigo 212 da Constituição Federal, o qual prevê a aplicação do mínimo de 25% das receitas de impostos em manutenção e desenvolvimento do ensino.

Esse descumprimento seria motivo para recomendar a rejeição das contas do governador José Renato Casagrande, mas o MPC concordou com a interpretação e a proposição feitas pela área técnica da Corte de Contas para recomendar a aprovação com ressalva das contas, levando em consideração os princípios da boa-fé, da segurança jurídica, da razoabilidade e da proporcionalidade e a aplicação do artigo 22 da LINDB (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro).

O MPC destaca que a irregularidade praticada estava assentada em norma emitida pelo Tribunal de Contas do Estado, ou seja, o governo do Estado incluiu os gastos com inativos da educação no cálculo do mínimo constitucional porque a Resolução 238/2012 assim o permitia. Ainda que tenha sido alertado mais de uma vez pelo próprio órgão ministerial, o entendimento foi de que “não se pode punir o gestor por obedecer a normativo expedido pela instituição que, dentro dos limites constitucionais, possui a competência regulamentar sobre a matéria em foco diante das diversas decisões do Supremo”.

Divergência
O único ponto em que o Ministério Público de Contas diverge da área técnica é sobre os efeitos da decisão da Suprema Corte na ADI 5691 nas contas de 2020 do governador, os quais a equipe do Núcleo de Controle Externo de Consolidação de Contas de Governo defendeu que não fossem aplicados de forma irrestrita, com base artigo 22 da LINDB, sem ao menos avaliar a necessidade de devolução dos valores que deveriam ter sido investidos na educação estadual.

O órgão ministerial explica que a decisão do STF teve efeito desde o nascimento das normas do Tribunal de Contas declaradas inconstitucionais e, por isso, atinge as contas do exercício de 2020 do governo do Estado, considerando que o Supremo indicou que as despesas com inativos não poderiam ser contabilizadas para fins de apuração da aplicação do mínimo constitucional previsto no artigo 212 da Carta Magna.

Com isso, entende que a adequação da decisão do Supremo à PCA em análise encontra-se limitada pelo fato de que há efetivo dano à educação pelo descumprimento do mínimo constitucional, não sendo viável a utilização da norma da LINDB para respaldar o desfalque de valores na educação.

Prejuízos à educação
“Não se pode ignorar o patente prejuízo suportado pelo sistema público de educação estadual em razão da adoção dos parâmetros inconstitucionais oriundos da Resolução 238/2012 emitida pelo TCE-ES”, ressalta o parecer ministerial ao defender que o governo do Estado devolva à pasta da educação os valores usados para pagar despesas com inativos.

De acordo com levantamento realizado pelo MPC em documento citado no voto da relatora da ADI 5691, ministra Rosa Weber, o governo do Estado do Espírito Santo utilizou, no período de 2009 a julho de 2020, R$ 6,1 bilhões em recursos que seriam da educação para pagar aposentados e pensionistas originários da área. Apenas no exercício de 2020, foram direcionados R$ 878.163.510,21 pelo Executivo estadual para cobrir déficit financeiro do RPPS relacionado aos aposentados e pensionistas da educação.

“Esses valores deveriam ter sido aplicados efetivamente na manutenção e no desenvolvimento do ensino, permitindo a aquisição de material e infraestrutura escolar, a expansão do ambiente virtual através da distribuição de internet e de computadores aos alunos, o aperfeiçoamento da qualidade de ensino por meio de cursos, capacitações ou seminários com foco nos professores e a realização de ações visando à diminuição da evasão escolar que tanto cresceu no período da pandemia. Inúmeras ações e projetos poderiam ter sido efetuados com foco na real melhoria do ensino no Estado do Espírito Santo com o valor que foi direcionado a fim diverso”, aponta o parecer ministerial.

Diante dessas informações e com base na decisão do STF na ADI 5691, o Ministério Público de Contas conclui que a educação capixaba foi violentamente prejudicada, na última década, pela utilização da norma regulamentadora local, havendo evidente dano às presentes e futuras gerações. Considera, ainda, que configuraria abuso à Constituição Federal e aos direitos dos cidadãos espírito-santenses a omissão quanto à persecução desses valores que deveriam ter sido destinados à educação do Espírito Santo.

Previdência
Além das determinações relacionadas aos recursos da educação, apresentadas de forma complementar, o MPC manifestou-se de acordo com a expedição de determinações, recomendações e alertas previstas na manifestação conclusiva da área técnica do TCE-ES. A maior parte delas tem relação com a previdência estadual. Todas estão descritas também no parecer ministerial, emitido nesta quarta-feira (15) no processo que trata das contas do governador referentes ao exercício de 2020. O processo foi encaminhado ao gabinete do relator, conselheiro Luiz Carlos Ciciliotti, para elaboração de voto e depois será levado ao Plenário do Tribunal de Contas para apreciação.

Confira na íntegra o Parecer do MPC na PCA do governador de 2020

Processo 2739/2021

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